segunda-feira, 14 de junho de 2010

O melhor de mim

“Se quiser civilizar um homem, comece pela avó dele” – Victor Hugo

Como acontecia nos anos 80, com a pequena diferença de que não era mãe e filha, esperei a hora da saída da escola para levá-lo a algum lugar que, possivelmente, faria toda a diferença em sua história. Fiquei em pé, na metade do caminho, dando o espaço necessário para que ele procurasse por mim e encontrasse, como assim havíamos combinado. Palavra é o maior tesouro de um homem.

Quando me viu, seu rosto se iluminou num sorriso ensolarado, e com os braços estendidos ele correu até mim e me deu um abraço apertado, de saudade, de carinho e de certeza por ver que podia confiar em mim.

E eu, bem, eu enchi muito mais o coração de amor, de esperança, satisfeita com a vida e com aquele momento único. Primeira vez buscando-o na escola.

No caminho, conversamos sobre toda sorte de assuntos que nossas idades com uma diferença de 21 anos nos permitem termos em comum. Sabendo que não haveria momento melhor e querendo minimizar os efeitos, tratei de abrir o jogo com ele. Primeiro a reprimenda, depois o desabafo e por fim, o ciúme explícito e declarado. A maturidade me fez entender que ciúme nada mais é do que medo de perder o que se ama, então como vítima desse sentimento por muitos anos, agi com cautela para que nenhum laço fosse desfeito antes mesmo de ser feito. “Eu preciso de um tempo pra me acostumar, Tia.” Nessas horas a única solução é uma boa e franca conversa, mas não tinha certeza de que aquele era o momento.

O Sol morno ainda ia alto no céu quando atravessamos a passarela para chegar a Catedral Metropolitana. Lá dentro novamente depois de tantos anos, senti a costumeira paz que me invade cada vez que estou no lugar certo – o meu lugar. Juntos, oramos e agradecemos a Deus por mais um dia, por tudo de bom que Ele têm nos dado, eu meu pequeno cristão, que ano que vem terá sua Primeira Eucaristia.

Continuamos nosso passeio rumo a um lugar que me é muitíssimo caro, carregado de lembranças da infância, além de guardar uma incomensurável fortuna histórica: Real Gabinete Português de Leitura. Lá mesmo onde eu ia quando minha mãe me apanhava na escola, e nem sabia que meu amor por livros seria tão intenso. Mas como disse Victor Hugo, o trabalho começou com a avó dele, e agora na terceira geração é ele quem deve aprender o poder monumental do conhecimento, do quão transformador ele é. Não podia querer que ele saísse dali um pequeno membro da Academia Brasileira de Letras, mas como, de certa forma, também sou responsável por essa vida que deixarei no mundo quando me for, tenho que fazer a minha parte para que o mundo tenha pelo menos uma pessoa decente. Enquanto pais por aí ensinam seus filhos a mentir, enganar e trair com menos de 6 anos de vida, eu gostaria muito de ter a certeza de que estou fazendo o movimento contrário para educar um ser humano que, como os outros, ainda não sabe o peso de suas ações. É nada menos do que o meu dever como Tia e Madrinha.

Para acalmar o bichinho que mora no estômago e geralmente só aparece quando estou por perto, um McDonalds com boneco do Batman pro passeio ficar melhor. E para minha surpresa e alegria, “vamos tirar aquela foto com a batata?”, ele se lembrou de algo que fizemos há exatos 5 anos.

Ainda tínhamos o resto da tarde, então como um bom cinéfilozinho – minha sementinha também – fomos ao cinema ver Marmaduke, que nos garantiu boas risadas, porque até os filmes bobos demais tem sua beleza.

Na volta para casa, mais uma vez o bico que não deveria estar lá. Tinha chegado o momento de conversar abertamente, com a liberdade que temos e amor que nos une. Eu te conheço desde o seu segundo dia de vida, eu fui te buscar na maternidade e você cabia assim no meu braço. Quando você nasceu, ontem e hoje eu fui e sou sua Tia e sua Madrinha, e, aconteça o que acontecer, até eu ficar bem velhinha de bengala, você será pra sempre meu sobrinho e meu afilhado, porque ninguém nesse mundo pode mudar isso. Então, como se mágica fosse, a paz voltou a habitar aquele coração miúdo, pois agora não havia mais o medo da perda. Quando sentamos no carro, ele recostou a cabeça em mim e dormiu feliz, tranqüilo, menino, e sabendo-se amado e seguro. Eu fiquei olhando aquela vida se formando, agradeci a Deus por estar ali, por termos um ao outro, por ter aprendido muita coisa ao longo desses quase 30 anos e ter conseguido passar apenas o que valeu a pena.

Um dia, quase sem querer, consegui mudar um pouco a vida de uma menina que caminhava para seguir o caminho dos pais, mas (in)felizmente ela não faz mais parte da minha realidade e eu entendo que não posso me responsabilizar pelo mundo; cada um educa seus filhos de acordo com o que aprendeu e com o que acredita ser o melhor. Fico triste apenas por saber que a vida cobra essa educação lá na frente e já é difícil se for honesta, então se for uma orientação deficitária será muitíssimo pior. Mas espero em Deus poder um dia sabê-la formada e feliz, o mesmo que desejo aos meus rapazes.

Com todas as dificuldades, financeiras e familiares, graças a Deus eu tive uma boa base e agora me cabe transformar isso tudo em conhecimento e passar para os que estão chegando. Ainda falta mais um, mais pra intelectualóide como eu, e falta também aquele que está por vir, completando assim o ciclo da vida, de uma caminhada recheada de histórias.

L.

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