“Todos
os dias quando acordo
Não
tenho mais o tempo que passou...
Usar
a frase “como de costume” seria uma maneira errada de começar a escrever, não
há nada de habitual, muito menos de novidade: são apenas emoções que se reinventam. São sentimentos
que se pode controlar por muito tempo, até que um dia acontece algo que os arranca
do peito, do pensamento, da alma e não há muito que se possa fazer para conter
a sequencia de lembranças, de querências e até de dores.
Enquanto
me arrumava para ir trabalhar, deixei que o rádio inundasse a casa com notícias
e som, com alguma vida além da que eu já conhecia. Em dado momento, uma música
ligeiramente familiar despertou a minha sonolência com acordes que eu não me
lembrava bem porque, mas eram especiais em algum canto de memória antiga. No
caminho entre o quarto e o banheiro, me detive: era 2007, corredor da
Plataforma 13, dia quente de janeiro, uma constatação carregada de surpresa e
profundidade: eu estava irremediavelmente apaixonada.
Parei
no meio da sala, entre enraivecida e assustada, desliguei o rádio e o dia
seguiu seu curso normal. No íntimo, algo me inquietava, mas claro que eu não
dei importância. Mas a razão é frequentemente traída pela emoção e quando
voltava para casa depois de um dia ruim no trabalho, cabeça quente e cheia, uma
lembrança foi puxando outra e outra, dando as mãos à outra e quando me dei
conta, estava naquela manhã de segunda outra vez. A música! A letra daquela
música que pus como legenda das fotos para contar ao mundo inteiro que eu havia
encontrado um grande amor.
“Eu
te amo calado,
Como
quem ouve uma sinfonia
De
silêncios e de luz,
Nós
somos medo e desejo,
Somos
feitos de silêncio e som,
Tem
certas coisas que eu não sei dizer...” [1]
Quando
finalmente cheguei à casa, havia um e-mail seu. Outra tentativa de contato como
no sábado em que estava acompanhado? Ou como no dia dos namorados? Com a
finalidade de... ... ... No fundo sei que não há resposta.
E,
ainda em ciranda, as lembranças me trouxeram outras não tão agradáveis. Minhas
mãos erguidas, minha súplica, minhas lágrimas, minha dor e minha derradeira
humilhação. “Seu sonho não cabe no meu.” Meu terror, meu abandono. Sua
felicidade? Talvez. Mas é o que desejo: sua felicidade, assim como decidi abrir
a porta ―
e as janelas, braços e abraços ― para que entrasse a minha.
Um
dia difícil para algumas pessoas acaba com uma cervejinha gelada, com um bom
banho de uma hora ou com uma partida de futebol na televisão. O meu termina
quando paro de represar a emoção e permito que jorre face abaixo, até que a aflição
se vá e fique só a esperança no amanhã melhor.
Como
de costume ―
agora, sim! ―,
ergui a cabeça enquanto tratava de escrever, porque ainda isso é importante
para tornar um dia confuso numa bela noite de Lua cheia, com flores, planos e
sorrisos.
...
Mas tenho muito tempo.
Temos
todo tempo do mundo.” [2]
Lucille
Nascimento
[1]Lulu
Santos – Certas Coisas
[2]
Legião Urbana – Tempo Perdido