quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O fim de uma jornada - parte II

Quase um mês de férias, tempo que eu precisava para recarregar a bateria e me lançar em área que eu nunca tinha atuado. Fazer Recrutamento e Seleção requer uma forte dose de paciência, tolerância e uma veia artística, porque entrevistar sem deixar transparecer certas impressões ao candidato é uma verdadeira atuação em filme de suspense. E ainda tinha a tarde livre, tempo fundamental para prosseguir com o projeto final.

Fazer uma monografia parece difícil, todos os colegas universitários que não compraram as suas no Zé Moleza, afirmaram que era cansativo. Nada disso é verdade. Produzir uma monografia é extremamente cansativo, desgastante, angustiante, estafante, difícil e pesado! Ah, e elevado a décima potência. Comprei os dois primeiros livros ainda nas férias, um mês antes de retomar o último período na faculdade. Meu tema inicial seria Inclusão de Pessoa com Deficiência, porém como é um assunto novo, não há muita literatura disponível, a não ser na internet que não é uma fonte confiável. Queria mostrar que a pessoa não perde a capacidade laborativa pela falta de algum membro ou sentido; ela pode se readaptar, afinal, essa é uma das maiores capacidades do ser humano: transformar. E trabalhando com duas pessoas com deficiência física e auditiva percebi o quão mesquinha é a sociedade por achar que existe limite para a vontade de viver do outro. Pensei também em Benefícios, que é minha área de atuação original, mas achei um assunto de literatura igualmente limitada, afinal, as organizações brasileiras entendem que “benefícios” sejam o vale-transporte e o vale-refeição, porém o primeiro é obrigatoriedade definida em lei e o segundo, por sua dispensabilidade, é também conhecido como vale-coxinha. rs Então repensei novamente a estratégia e finalizei com Qualidade de Vida no Trabalho, tema cuja vastidão encontra diversos autores e alguma concordância sobre os pontos principais.

Eu não queria apenas o trabalho: o desafio de falar sobre algo que eu não dominava era o alimento para o investimento pesado no projeto. Na primeira semana de aula eu já ia dormir as 2h da manhã, pesquisando tudo que me aparecia sobre o assunto, autores, práticas, empresas, enfim, tudo o que contribuísse para confirmar a minha teoria de que o investimento em QVT pressupõe o estímulo para manter pessoas motivadas e o consequente aumento da produtividade. Claro, não era o descobrimento da roda, mas é um assunto pouco levantado em rodas de RH devido ao custo que estes programas costumam ter — e RH não gosta de custo, gosta de investimento. Mergulhei de peito aberto, temerosa, mas feliz e ansiosa pelo resultado.




(Continua)


L.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O fim de uma jornada - parte I

Sinto tudo diferente do que costumava ser. E não faz muito tempo: parece que em menos de seis meses consegui localizar o ponto nevrálgico que era responsável por transformar um objetivo de vida em algo secundário por uma bobagem qualquer.

Não foi tarefa fácil, tampouco foi difícil. Sempre soube de quem era a responsabilidade por fazer e acontecer, por realizar e colher os frutos do sucesso — bem como os espinhos do fracasso. Só precisava decidir, finalmente, se eu queria ser páreo pra minha própria força, uma força bruta e estúpida que por diversas vezes me levava a cabecear a parede como quem se deita num travesseiro de penas de ganso.

A meta eu sempre tive. Demorei a focar, mas sabia que precisava cumprir o que eu havia definido como objetivo de vida. Muitas e incontáveis vezes eu sabotei meu próprio esforço. Já me dei rasteiras que nem mesmo meus inimigos ousariam em seus piores pensamentos vingativos. Hoje quero crer que a pouca idade também tenha contribuído para isso. Não é via de regra, certamente que não, mas no meu caso, somente a imaturidade explica a recusa para uma bolsa para a melhor universidade do Estado, uma das melhores do país. Motivo? Fica lá na Gávea, muito longe do meu trabalho, gasto mais dinheiro de passagem, pego trânsito e, pior de tudo, fico menos tempo com o namorado que me bagunça, estando longe ou perto dele. E o tio de segundo grau que conseguiu a bolsa na PUC-Rio faleceu antes que eu tivesse tempo de me arrepender profundamente por ser tão irresponsável comigo mesma.
Dia dois de junho deste ano, o que parecia uma situação de perigo a minha independência financeira, se tornou o melhor acontecimento para a minha independência acadêmica. Sem emprego, mas com muito trabalho pela frente. E aconteceu justo no momento em que eu voltava de um dia de internação devido a uma crise de gastrite nervosa por conta do forte estresse negativo, um desgaste emocional que durante meses vinha me açoitando a alma. Então eu não tive estômago, literalmente, para ver a minha competência e dedicação nos doze anos na minha profissão serem monstruosamente subestimados pelo sorriso falso de alguém que só tinha uma experiência como balconista de papelaria. No meu ego de profissional a substituição forçada funcionou como um rebaixamento, uma perda de cargo e função. Talvez se fosse para uma pessoa com mais experiência, que agregasse algum valor ao trabalho e fizesse coisas que até então eu não tivesse conseguido realizar... Não, nem assim creio que não aceitaria. Não para uma pessoa que traía a confiança de todos os colegas ao levar para o chefe tudo o que pensava estar errado. É difícil aceitar a perda e perder para alguém mau caráter e incompetente é absolutamente cruel. Mas quando eu pensei que ficaria ruim, percebi que isso foi o que de melhor poderia ter acontecido: eu teria tempo e tranqüilidade para tocar o projeto mais importante desse ano. Foi um mal que me fez um enorme bem.

Analisei todas as possibilidades para não errar nos próximos passos. Perder o emprego não havia sido tão ruim, afinal de contas, profissional é profissional em qualquer lugar. E aí eu tive de pisar no ego: decidi dar o passo para trás e voltar ao estágio. Logo eu, que fiquei doente ao ver meu império construído com muito suor passar para as mãos de uma pseudo-rainha bastarda e burra, resolvi que a “perda” seria o caminho para a vitória.

(Continua...)

L.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Observatório


Sentada aqui observo seus olhos percorrem todo o espaço ocupado pelo meu corpo. São um metro de pedreiro, esses seus olhos: medem cada milímetro de mim, como se qualquer pequeno erro de cálculo nas medidas fosse capaz de fazer um grande estrago no trabalho todo. Mas, por fim, você se cansa ao descobrir que não, não há nada fora do lugar, é realmente um belíssimo trabalho, talhado em luz e feito em cor. Isso me delicia deveras! Sinto-me realmente uma estátua grega, nua, cabelos cascateando pelos seios, púbis coberto de pêlos, formas arredondadas e esguias, face impassível, fria, dura, sou estátua, afinal. E você é mais um admirador desta beleza que só existe nos olhos de quem entende a verdadeira arte de admirar o que não existe. Por isso deixo que me olhe, quem sabe até me deseje, pois é o seu olhar que mantém vivo o meu ego de pedra-sabão.

L.