terça-feira, 1 de junho de 2010

Teu cenário é uma beleza

− É bom?

− Abra e prove, se gostar é seu.

A tarde começava a cair, mas ainda estava quente naquele domingo outonal. A água escorria-lhe por entre os seios, enquanto ela admirava-se e sorria para ninguém, apenas contente consigo mesma e com as idéias que andava despertando por onde passava. Mais bonita? Mais segura? O que devia ser que lhe diziam estar tão diferente? Talvez fossem os cabelos que quase cobriam todo o colo. Ou não, talvez fosse mesmo alguma mudança que nem ela havia notado ainda. Arrumou-se cuidadosamente, cabelos, pele perfumada de avelã e o infalível salto alto. Quando saiu, tinha certeza de que estava terrivelmente bela e sedutora, e melhor de tudo: nenhum pouco disposta a ser seduzida.

O lugar onde nunca tinha ido, mas conhecia de vista era muito mais do que apenas um nome, havia ali uma história carregada e séria, de pessoas que lutam todos os dias para serem melhores para si e para os seus. A noite chegou, e com ela pessoas desconhecidas, bonitas, estranhas, novas e velhas, gente de toda sorte como ela gostava de conhecer. Do outro lado, bem distante, divisou o olhar que não saía de sua direção. Por uma fração de segundo, os olhares se cruzaram e se sustentaram até que ambos entendessem o estava para se seguir. Ela não gostava de caçadores, soava vulgar aos seus sentidos, mas ele era a perfeita figura de um: sério, sentado e observador. Ela ficou de pé e ele de quatro por ela. Cercou-a e ela deixou-se cercar. Talvez fosse mais fácil dizer oi e todo o texto batido de sempre: vem sempre aqui?, qual seu nome?. Mas ele percebeu pelo cheiro de avelã que lhe açoitava o desejo que ela não era mulher de se deixar abater fácil assim. Tonto pelo jogar de quadril da bela jovem, ele avançou. Ela recuou sorridente. Sabia que ele a queria e não se deixaria abater fácil assim. A música mudou o ritmo, era agora uma grande festa junina e os cavalheiros foram pegar suas damas para pular fogueira. Quando ele pensou, ela já estava na roda, de braços dados com a amiga. Escorregadia, pensou ele. Ela riu-se por dentro, sem dar a perceber que estava se divertindo com a situação. Faça força, procure, rasteje, implore. Quem sabe eu lhe diga meu nome? Ao som da música de Amelinha, ela se divertiu como há muito não fazia, desde quando era dançarina de caipira de salão, a popular quadrilha. A roda abriu para os dançarinos e então a grande oportunidade foi dada. A dama de vermelho e o rei, no meio da roda, dançando para os jurados, para o público e muito mais um para outro. Mas o casal tinha que sair para dar lugar a outro. Com a mudança de casal da roda, ele a perdeu de vista. Encontrou-a novamente na mesa, levando o copo a boca. Olharam-se novamente, ela com o rosto em brasa e molhada de suor, ele não menos esbaforido e já começando a sentir raiva da vontade que tinha de pegá-la pelo braço, encostá-la na parede verde e rosa, puxar aquele cabelo dourado pela nuca e silenciar aquele sorriso debochado com um beijo. E ela entendeu a mensagem. Divertia-se tanto com aquele semblante quase cruel, que dizia claramente que se conseguisse chegar até ela, faria com que sentisse a mesma dor que estava provocando. E isso a encorajava a fazer ainda pior.

Minutos passaram até que a maldade final começasse. Nunca brinque com uma mulher de short, salto e que goste de funk, alguém deveria tê-lo alertado. Seria em vão, entretanto. Ele perdeu a noção de tempo e espaço quando desviou o olhar do amigo que conversava e deu de cara com aquele quadril largo seduzindo-o como um encantador de serpentes indiano. Graciosamente ela rebolava, subia e descia, movimentava-se como se ninguém mais importasse, apenas ela e a música. Ela e a alegria de estar viva, entre amigos e livre. Ela e ela. O suor molhava a fina camiseta enquanto do outro lado do mesmo mundo, ele ameaçava explodir se não a tivesse naquele minuto. Ainda em movimento, ela percebeu que ele estava tenso e deu o golpe fatal: parou, olhou-o bem fundo, baixou os olhos, tornou a olhá-lo e sorriu. Um sorriso sincero, brejeiro, amistoso. Certeiro. Ela virou de costas e mais que rapidamente ele estava ao seu lado lhe tocando os dedos. Sem a necessidade de qualquer palavra, ele estendeu a mão e ela lhe deu a dela. No mesmo passo apressado, afastaram-se de todos, seguindo rumo a algum lugar que ela não sabia, mas estava ansiosa por conhecer.

Pararam arfantes no gramado, de frente para o grande prédio pintado em verde e rosa. Antes, tão afetado pela indiferença dela, agora diante dela estava ele descoberto e quase indefeso. E ela tão senhora de si desde o momento em que saíra de casa, estava assustada com o que havia despertado nele em si mesma. Na falta de algo melhor, ele segurou as mãos dela e sentiu tremerem quando ele as beijou, uma a uma, como quem saúda uma divindade. Ela o encarou, seus os olhos pretos e oblíquos diziam que ele não avançaria sem ter certeza de que ela permitiria ou que ao menos queria o mesmo. E então ela deu um passo para trás. O rosto dele endureceu, não pretendia deixá-la fugir, mas agora estava confuso. Que mulher era aquela que em apenas algumas horas estava brincando com ele? Ela continuou olhando-o séria, queixo erguido, enfrentando-o. Ele entendeu a mensagem. Com uma passada rápida, postou-se a centímetros do rosto dela, segurou-a pelos braços e ficou ali em silencio, olhando-a agudamente no fundo dos olhos castanhos. Ela tentou se soltar e ele a segurou mais forte. O jogo estava aparentemente ganho, mas ele não contava com o sorriso malicioso e debochado que ela lhe lançou e ele sentiu toda a raiva voltar em potência máxima. Sem dar a ela tempo para pensar, soltou uma das mãos e agarrou-lhe os cabelos pela nuca e com a outra puxou-a pela cintura para junto de si. A Lua cheia ia alta no céu quando ele abriu-lhe os lábios com os seus e a beijou com a urgência de quem teme acordar no meio do sonho bom. Durante algum tempo ficaram ali, todos os sentidos voltados para aquele momento, dedos explorando o corpo alheio, línguas conhecendo lugares distantes, outros mundos sendo descobertos. Ela sentia a pressão dos dedos dele em sua pele e sabia que não poderia sair dali e sabia também que não queria sair. Finalmente os lábios se soltaram, mas não os corpos, pois se transformaram num só com um longo abraço. De perto o cheiro dela de avelã era ainda mais instigante. Ele estava satisfeito em sentir tão mais de perto, que afrouxou um pouco o abraço para que ela apoiasse a cabeça em seu peito. Ela ficou intimamente grata por ele abrir espaço no peito para que ela pudesse descansar a cabeça. O cheiro dele, o cavanhaque, a pele negra e reluzente, tudo a fazia querer mais. Ainda em silêncio, quase que ao mesmo tempo, perceberam que precisavam de algumas respostas. A voz dele era grossa, arredia, típica de quem não tem muito medo de nada. Ela fazia perguntas só para ouvi-lo e aproveitar mais daquela voz que mexia em algum lugar secreto dela. Abraçados novamente, depois de muitos outros beijos, delicados e ardentes, concordaram em voltar para a festa e seus respectivos amigos. Ele queria ficar com ela, ela não queria, mas concordaram em ir embora juntos.

De volta à festa e às amigas, ela não sabia como contar a experiência mágica que tinha vivido e disse apenas que tinha sido ótimo. Com o ar de satisfação total não precisava explicar mais nada. Logo começou a tocar o samba e o pagode. Novamente ele a olhou de longe, como se nunca tivessem se olhado e ela percebeu o que viria. Com um rápido movimento de cabeça, se deu por vencida. Ele a segurou pela mão e cintura e a levou para o meio do salão. Ela protestou, morta de vergonha, preferia dançar mais no canto. Em vão. Ele a rodopiou pelo salão, como se já tivessem todos os passos ensaiados. Ela estava tensa acompanhando os passos dele, se deixando levar pelo cavalheiro que era praticamente um dançarino profissional. Ele se soltou dela, segurou-a pelos dedos e a girou do seu lado, depois puxou de volta e a deitou sobre o joelho. O fim da música anunciou o fim da noite de festa. Antes, posso falar com você?, ele pediu. Voltaram ao mesmo lugar do início de tudo. Ele a abraçou por trás e entrelaçou suas mãos com as dela. Novamente o silêncio. Ele tentava escolher as palavras.

− Você volta?

− Claro! Ano que vem ele fará aniversário de novo e estarei aqui.

− Para, to falando sério...

− Bom, acho que venho pra feijoada mês que vem com as amigas.

− Vem antes.

− Pra quê?

− Me ver, eu te ver.

− ...

− Vem?

Ela faz ar de deboche. Ela a beija outra vez.

− Tá bom!

− Você é marrentinha...

− Se eu não fosse, você teria me olhado?

− Acho que não, mas você é demais, abusadona. Nem parece que é assim.

− Hã? Assim como?!

− Carinhosa, pô! Você é que nem gato, gosta de cafuné na cabeça.

Ela subiu a rua olhando o céu estrelado e tentando não esperar nada da noite bonita que acabara de ter. Quando se deitou, pensou novamente nele. As mãos grandes, dedos compridos que sabiam exatamente o que queriam, um arrepio percorreu a espinha. Noite perfeita. Queria mais, mas não ousava admitir e nem pensar nisso. O sono estava se avizinhando quando o telefone vibrou. “To de folga sábado e domingo. Vem pra cá. Beijo na boca princesa marrentinha”. Ela sorriu ao ler a mensagem e entendeu que naquela noite alguma coisa havia mudado. Talvez planetas tenham se alinhado no céu, signos, carmas, sei lá. Se faz bem, então eu quero. E dormiu cansada e satisfeita, um sono sem sonho, porém tranqüilo, acreditando que a festa da vida é todo dia, mesmo quando nada parece querer dar certo, basta mudar o ângulo da visão.

Lucille

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