segunda-feira, 21 de junho de 2010

Fragmentos

Alguns sentimentos não ouso admitir nem para mim mesma, mas nem por isso deixam de existir. Há em minha vida momentos em que nada é forte o bastante que mereça ser guardado, mas que me dá prazer em relembrar para ter a exata noção do quanto evoluí. E apesar do blog servir para se registrar o que der na telha, como ele é lido não apenas pelos que me querem bem, então não acho conveniente postar, salvo raras exceções, tudo o que me acontece. Até porque, minha vida é normal. Nunca matei, mas já morri. Não bebo, não fumo, não cheiro e não cracko. Enfim, sou quase uma santa. Amém, Jesus.

Mas off-line a vida continua pulsando e eu sigo escrevendo, porque a memória é falha. Por vezes quando quero me lembrar de determinadas situações, são esses textos que me trazem o passado de volta, que me relembram o cheiro dos dias coloridos com a família ou o cinza do meu próprio sofrimento. Pensando nisso, resolvi publicar trechos do verdadeiro diário, fragmentos de uma vida real, escritos enquanto o mundo girava, de fato, em torno do meu umbigo.

Espero que gostem e apreciem. Se não entenderem o contexto, não tem importância, no fundo a intenção é essa mesmo. :-)

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Hoje, voltando da terapia, em mais uma noite sozinha cruzando as ruas feias e quietas da Zona Norte, tive também mais uma brilhante ideia. Nada fica registrado daqueles pensamentos loucos. Loucos? Hunf! São meus e nem eu mesma me dou o direito de julgá-los. Queria guardá-los, mas em voz parecem não ter a mesma verdade. Em papel é impossível, já que ônibus costumam não ser locais indicados pra isso. Esperar chegar em casa para digitar é declarar a morte de tais pensamentos. O dia, os acontecimentos, a vida de forma mais clara e honesta, tudo estará aqui registrado, de modo que nem tudo será publicado. Mas se há de haver honestidade, então é certo que quase nada será publicado. Pensamentos... Minha vida.

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Retornando a vida. Não, nada que tivesse me posto a beira da morte, mas sim, tudo que tivesse posto a sanidade a prova. O projeto de escrever todos os dias, da forma mais aberta possível, teve a sua primeira barreira justamente em mim, quando a saúde falhou, me obrigando a deixar de lado trabalho, estudo e amor. Bom, o amor já está de lado há muito tempo...

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Enquanto descia de ônibus, pensei: só pegamos o mesmo ônibus quando desço atrasada. Terei de optar: vê-lo ou bater o ponto.

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Naquele momento, tirando quatro caixas de remédios diferentes da bolsa e ainda sentindo dor no braço onde havia tomado a medicação, me dei por vencida. Já havia lutado o suficiente e havia perdido a batalha, mas se insistisse, perderia não só a guerra como possivelmente também, a guerreira. A derrota nem sempre é mal-vinda, pensei, basta entender em qual momento estamos: de aproveitar a glória da vitória ou de aprender com o fracasso. As pequenas vitórias do dia-a-dia foram maravilhosas nesse ano e meio, então não tenho realmente do que me queixar. E sabe lá o que Deus me reserva mais para frente? Então se esse é o momento de aprender, que assim seja.

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Estava sentada na maca, tinha acabado de ser furada pela agulha que levou remédio e soro até a veia mais próxima a fim de restabelecer o funcionamento normal do meu estômago, que a cabeça tinha feito o favor de achincalhar. Sentindo a dor de um lado sumir e do outro pulsar, deitei e esperei o sono trazer alguma resposta para a pergunta que não me cansava de repetir “o que é isso?”. Quando acordei, quase duas horas depois, ainda estava na mesma questão, só não tinha mais dor. No caminho, tudo parecia ter se resolvido com a injeção, mas alguns metros depois o mundo voltou a rodar, o corpo pesou e o cansaço quase me derruba outra vez. Já em casa, não pude fugir. Passei o restante do dia dormindo o sono daqueles que levantam uma pirâmide em 60 dias. Dormi um sono sem sonho, apenas profundo e puro cansaço. E todas as vezes que acordava ele estava ali, pronto e firme, sentado no computador. Não tardou a vir a febre, sinal histórico de que algo vai errado. Só principiou a melhorar quando ela apareceu. Abri os olhos e ela estava ali parada no batente do quarto, tão linda e iluminada, minha mãe, a criatura que eu mais precisava naquele momento. Ansiava por ela, mas sabia que estava cansada do trabalho, então não esperava e até entenderia que não fosse me ver. Mas ela foi. Mãe é mãe.

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Não sei em que momento tudo mudou de rumo, mas horas e horas depois estava me sentindo a princesa no alto do castelo sendo cortejada pelo príncipe.

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A tarde passou voando, nem percebi que enquanto meu rosto outrora sombrio e frio agora explodia em sorrisos e fogo, o final do dia se aproximava. E quando menos esperava (não, mas queria), o telefone tocou. “Só pra comprovar que não é nada”, ele disse para em seguida disparar numa sonora e profunda gargalhada, logo acompanhada pela minha, que chegou a me arrancar lágrimas. Eu havia dito que minha voz era grossa e assustava as pessoas, ou pelo menos era o que parecia. Conversamos mais alguns minutos, rindo, falando sério e criando laços invisíveis, tecidos com generosidade e gratidão. Quando se despediu de mim ao telefone, disse bom fim de semana e eu pensei que não nos falaríamos mais, mas lá estava ele me chamando na internet com seu “Uia” e me arrancando outro sonoro riso. Os colegas do lado não entendiam como uma pessoa recém-saída da emergência de um hospital podia estar daquele jeito, tão animada.

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Ali eu era Bella apenas. Não havia obrigatoriedade alguma, nem terror psicológico, nem sadismo. Ele já havia lido meu blog, conhecia mais de mim, sabia com que bicho de 70 cabeças estava lidando. Sabia que eu só precisava daquilo, um pouco de sorrisos no meio da tarde.

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Ficou a sensação de que falta algo, não sei onde e não sei em quem, mas apenas que falta. Há um buraco e não é apenas ele, a pessoa, mas situações corriqueiras que, de tão raras, passaram a ser fenômenos. Talvez eu esteja desistindo de mim, do amor. Talvez esteja afundando em minha própria carência. Não sei.

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Fiquei ali, deitada do lado dele, querendo que o sonho tivesse sido realidade, ainda me sentindo exausta da noite fantasiada. E então, como não havia outra opção para apaziguar a dor quase física que aquele desejo causava, enveredei por aquele corpo, velho conhecido e não tão desejado assim, mas que naquele momento seria o mais ajustado para resolver a questão. Fiz força para esquecer os problemas e me concentrar apenas na necessidade de ser saciada em verdade. Quando o abismo se apressou em crescer a minha frente, me senti tão ordinária e suja quanto inteligente, esperta, linda, sensual, amada, maravilhosa. Eu não era eu, era muitas mulheres num corpo só, dando-me a chance de aproveitar cada uma delas.

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E ainda estou forçando uma barra porque, depois de tantas agruras e obstáculos, agora preciso dizer que encontrei algumas respostas. Claro que não resolvem todos os problemas ou há apenas uma resposta que defina e explique tudo, mas as pequenas luzes me ajudaram a achar o caminho de volta pra mim. Primeiro, após contar os 100,00 que saíram da minha conta rumo ao caixa das farmácias entre os diagnósticos de estresse e logo após de gastrite nervosa, eu vi e aceitei a derrota. Não existe vergonha em perder, mas sim em desistir de lutar. E isso não se pode dizer de mim; não desisto mesmo quando deveria (vide esse relacionamento louco que já dura quase quatro anos). E quando se perde a batalha, o melhor é reconhecer – ou a própria fraqueza ou a superioridade do inimigo – e partir para a para a próxima, já que a guerra, essa sim, só termina com o derradeiro suspiro.

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Ela é o tipo de pessoa que faz biquinho e consegue o mundo. Sendo loira e magra, então... Tá, ok, admito também que a maldita da inveja feminina me fez escrever isso, mas é notório que mulheres belas não precisam fazer muito esforço na vida. E se alguém duvidar e me disser que existe uma bonita que teve que dar duro na vida, eu lhe direi sem pestanejar: então é burra.

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Entendi de uma vez por todas que o meu trabalho é importante pra mim, e meu trabalho é o que eu faço e como, não o que alguém me manda na esperança de que eu obedeça.

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Eu disse a ela que homem, nesse momento, não estava me fazendo falta. E não está mesmo, estou sem ânimo, sem cabeça. Se o verdadeiro amor me reconhecer na rua, nos encontraremos se ele vier atrás de mim porque eu, agora, não estou pensando nele. Que tipo de pai eu estou pretendendo dar ao meu filho, meu Deus? Não me deixe fazer nenhuma besteira enorme e irreversível.

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Já dizia minha amada avó Maria José, aliás, dizia não, ela ainda diz (com a graça de Deus), que dia de muito é véspera de pouco. Será então que o contrário é verdadeiro?

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Hoje me questionei, no meio daquele trabalho ridículo, se um dia eu perdoaria M. e todos ligados a ele que um dia me magoaram. Se eu o perdoar, provavelmente significará estar com outra pessoa, já que não me vejo mais com ele. Olho pra essa aliança de noivado no dedo e penso o que ainda eu espero pra acabar com isso. Medo? Relaxamento?

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Ele é bonito, tão bonito quanto uma manhã fresquinha, poucas nuvens no céu, nem quente e nem frio, só a luz e o cheiro bom de dia novo. Outro baixinho. Mas não me afobo e nem o desejo, a mim basta olhá-lo e perceber que me percebe, no meio de tantos outros passageiros rumo ao trabalho. Se um dia me disser oi, não sei, acho que engasgo. Mas algo me diz que ele não dirá. Talvez a ele baste perceber que é percebido. Deixa assim.

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Ela me perguntou e eu confirmei que ele ainda me balançava e então ela disse que se ele tocasse alguma música de nossa história, que só nós soubéssemos qual era, então ele ainda sentia o mesmo. A primeira fez tchan... A segunda foi nossa música, a primeira e especialmente nossa e só nossa, aquela que sempre tocou pra mim – porque ele dizia que sempre seria pra mim – mesmo nos momentos de raiva. Aaahhh flutuei e ri, ela riu junto e ambas gargalhamos fartamente da confirmação.

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Finalmente a luz voltou! E quem a trouxe? Ela, sempre ela... A melhor mãe do mundo, mesmo quando ela tenta parecer uma moleca irresponsável. Não tem jeito, eu a amo. E quem ama perdoa.

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Ela me disse: “isso que te faz voltar e não deixar o novo entrar, será que não é medo?” e eu fiquei matutando todos os dias e horas. Ali em Madureira, tão pertinho de Oswaldo Cruz, decidi trazer meu amigo de volta pro seio de minha vida. Decidi abrir a janela e não mais esperar que o Sol sorrisse pra mim, mas sim, agora eu iria cantar e dançar em saudação a ele.

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Caminhar em Piedade. Perdi o fôlego quando ele me olhou, despiu-me de alto a baixo e murmurou quase em prece “você tá linda”. Abraço forte e apertado, justo para não caber mais nada além da saudade. Ficamos ali no meio da Suburbana, tarde da noite, num enlace gostoso dos que se gostam e precisam de outra oportunidade de provar isso.

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E ele me disse “Poxa, Lu, era pra gente estar junto até hoje, casado” e isso me atingiu forte na boca do estômago. Sim, ele seria um bom pai pro meu filho, consciente e responsável, inteligente e bonito. Mas não me condeno, foi como tinha que ser. E conversamos muito, cartas na mesa, jogo aberto e limpo.

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Ele não me ligou e muito menos me chamou. Hunf! Nem eu. De hora em hora abria o programa para ver se ele ainda estava lá – e estava sempre – mas não senti vontade de amá-lo, pelo contrário, fiquei extremamente surpresa com minha capacidade de não mais me preocupar com a subtração e sim, com o milagre da multiplicação dos homens.

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Cheguei em casa e cometi um pequeno assassinato. Sei lá o que me deu, só sei que fiz e que se dane. Não me irritei o dia todo apesar de falar com três tp-émicos, mas naquela hora eu estava mais travessa do que raivosa.

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São meus dias, meu esforço, meu mérito com o infalível cuidado de mãe. Minha mãe... Ah, quando penso no dia em que ela me vir de beca e faixa azul na cintura, os olhos marejam e a emoção que na prática ainda está longe, me arrebata como se estivesse acontecendo na hora. Não sei o que é tão mais importante, o meu sonho realizado ou saber que ela estará se realizando em mim. Eu, a primeira, não esperada, não desejada, mas aceita e muito amada. Apesar de tudo, não tenho dúvidas: fui e sou muito amada.

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A noite chegou e com ela a arrumação do destaque de escola de samba: purpurina, glamour, festa. Quando pus o sapatinho de cristal, dei umas duas ou três voltas em torno de mim mesma e concluí que eu havia me tornado uma mulher muito bonita mesmo, uma mistura de raças que deu muitíssimo certo.

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L.

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