quinta-feira, 31 de março de 2011

Três portas à direita

Tarde quente, as mãos deslizavam firmemente pelo papel, dedos ágeis corriam pelo teclado; dia abafado, trabalho pesado. Ela queria que o dia escoasse rápido pela janela, mas o máximo que conseguia era mais ansiedade.
― Você deveria se sentar aqui. ― a colega ao lado sugeriu; pelo corredor bem em frente a sua mesa acabara de passar Enrique.

O trabalho enfadonho perdeu o sentido. De terno azul marinho, aquele homem era um exemplar raro de personificação da perfeição: cabelos pretos, rosto redondo, cavanhaque bem marcado, traços finos, sisudez quase arrogante ― ou era timidez? Pele negra, olhos castanhos, ombros largos e mãos grandes, Enrique era tão bonito quanto parecia ser inatingível em seu silêncio.

Nas poucas vezes em que esbarraram pelo corredor, na correria do dia a dia, jamais atentara para a beleza quase crua daquele homem de prováveis 1,80m. Amanda pouco sabia sobre o novo sócio, apenas que acabara de entrar na empresa e não costumava gastar palavras desnecessariamente.

Cansada e aborrecida, cheia de coragem e determinação, ela se levantou. Quase em tom de brincadeira decidiu que passaria por Enrique naquele momento em que ele passava pela porta de sua sala. Um vaporoso vestido e sapatos de salto alto compunham a imagem que não passaria despercebida – especialmente tratando-se de alguém que sabia usar a morenice brejeira a seu favor.

Ela o avistou ao sair da sala e quase como se tivessem combinado, ele principiou a sair também pelo corredor na frente dela. Ele virou a direita e antes de sumir das vistas dela, olhou para trás: ela estava lá, seguindo-o, mas sem ter exata noção de onde deveria realmente ir. Com passos felinos e olhar baixo, ela o viu entrar no banheiro masculino; antes de se fechar, novamente o olhar furtivo para trás. E ela ainda estava lá, caminhando como se pudesse entrar com ele, não no banheiro, mas entrar nos cantos escuros daquela mente e descobrir porque ele a observava tão agudamente. Quando ele desapareceu porta a dentro, ela dobrou para o lado oposto e entrou na copa. Com o rosto afogueado, ela procurou a água gelada para aplacar a intensidade daquele olhar que a alvejara em poucos minutos. Enquanto enchia o copo, de costas para a porta da copa, ela pensava na bobagem que estava pensando: ele jamais se daria ao trabalho, devia ter sido apenas uma coincidência... Quando girou sobre os calcanhares para sair da copa, ele passou por ela outra vez, no caminho de retorno a sua sala. Ela prendeu a respiração. Por três vezes ele sustentara o olhar sobre ela. Antes que pudesse soltar o ar e pensar a respeito, ele deu dois passos para trás, parou na frente dela e sorriu. Um sorriso meigo e franco, branco e encantador.
― A gente se olhou três vezes e eu não falei com você. Tudo bem?
― Tudo bem, sim. ― foi o máximo que ela conseguiu responder.

O dia, que até cinco minutos havia sido chato e quente, ganhou cor e ar fresco. Agora não eram mais estranhos: Enrique tinha nascido e ocupava um pedaço dos pensamentos dela. Amanda havia morrido, mas ressuscitaria na manhã do dia seguinte.

L.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Quem você é

Oi.

Tudo bem?

Espero que sim.

Estava aqui remexendo em suas coisas, achei coisas velhas das quais você gostava muito. Achei uma calça preta, do seu primeiro terninho de trabalho. Após doze anos, hoje ela finalmente ela arrebentou de vez. Também pudera: você não esperava que suas roupas fossem durar até o fim da vida. Encontrei também uma música que você adorava dançar em 2005. Lembra-se daquele ano? Cada músculo do seu corpo se unia para movimentar os ossos que pareciam feitos de plástico, especialmente da cintura, enquanto você dançava. O suor banhava tua pele preta e até fazia pessoas pensarem que ao dançar tão entregue você estava feliz. Mas não nos lembremos dos pedaços ruins, quero te dizer que achei tuas coisas antigas, mas as boas, as doces. As balas de maçã verde. Um saco delas ficou por aqui. Ainda gosta? Você costumava comprar muitas e comia todas de uma vez, chegando a ficar enjoada em seguida. E agora, ainda se afoba assim como se tudo que é bom tivesse de realmente ser aproveitado rápido? Ouvi um barulho e busquei mais fundo: encontrei uma longa gargalhada. Era você, leve e desapegada da vida, presenteando a humanidade com um pouco de alegria gratuita. No meio de suas coisas havia muito seu, mas havia também coisas que lhe deixaram de presente: preciosidades em forma de sonhos partilhados e jamais realizados, horas do mais perfeito nada a dois, flores despedaçadas, risos, lágrimas, lições. Suas coisas todas estão organizadas como você deixou, cada qual em seu lugar. Você e sua mania de arrumação... Ainda é assim ou resolveu deixar o vento desalinhar seus cabelos enquanto você caminha a esmo? Ou será que perdeu a direção e já nem sabe onde está? Desejo que faça um pouco de cada, para que possa saborear todas as estações, vento e chuva, sombra e sol. Sabe, fico olhando sua foto e as vezes sinto um orgulho esmagador de ti. As vezes fico triste por saber que você também se entristece com os erros que teima em repetir; que tal tentar outros? Mas logo recupero o sorriso, pois sei que você aprendeu a não se abater, que ficou tão forte que nem parece mais com a pessoa que saiu daqui em julho do ano passado. E não é mais mesmo... Ou apenas se enfeita de pedra? Disseram-me que você tinha um brilho cruel no olhar, impiedoso, gelado. Devo acreditar? Dia desses vi alguns rabiscos em suas pegadas, algo que me lembrou uma pessoa muito parecida com você, de apenas 18 anos, com uma terrível mágoa no coração causada por suas próprias mãos; era com essas mesmas mãos que tentava a todo custo se ferir, machucar ainda mais para ver se conseguia fazer pagar pelo mal que se causara. Você não anda fazendo isso, não é? Não gostei do que li em suas pegadas, mas quero que saiba que se for preciso, estarei aqui para te ajudar a caminhar outros passos, firmes e dignos. Você volta logo? Acho que não. Deveria ficar longe por seis meses e lá se vai quase um ano desde que você se foi. Fico aqui te esperando, Lucille. Não demore: sua doçura e sua esperança estão guardadas comigo para você tornar a usar quando voltar.



Saudade,



L.

sábado, 5 de março de 2011

Você já é bonita com o que Deus lhe deu (*)

E eu aqui achando que eu era a grande Lya Luft da minha vida, mas eis que desponta no horizonte outra ramificação dos Lopes: a autora de The Boys of My Life, Marina Lee, uma espécie de blog com enredo ficcional baseado nos heróis teens da atualidade, como Harry Potter, Restart, Edward Cullen e demais ídolos adolescentes de cabelo estranho. Marina é sonhadora como toda menina, mistura fantasia com realidade e imprime em seus textos a alegria típica de sua própria existência. Por isso e muito mais, foi eleita a autora do mês pelo site onde publica suas histórias. Na entrevista para o site, ela cita o apoio das primas, e adivinhem só quem é uma delas... Ali ao lado está o link do site, mas preparem-se: se no quesito qualidade ela já caminha para uma vaga nos anais da ABL, em matéria de quantidade já se pode considerá-la eleita; é história pra uma tarde inteira de leitura.

Então desejo todo sucesso a minha pequena princesa, evocando os bons espíritos dos grandes escritores do mundo, para que a acompanhem nessa jornada pelo universo da palavra escrita, e a Deus peço que mantenha seus olhos nela e abençoe cada pequeno pensamento que formam as grandes histórias e viagens literárias.

Quanto a mim, sinto que o momento da dedicação ao livro está próximo. Considerando que Lya Luft começou sua fantástica carreira literária aos 41 anos, no mesmo ano em que eu chegava a esse mundo, não tenho necessidade de me afobar para fazer o que acredito que vai acontecer no momento certo.

L.





(*) Trecho da letra de Marina - Gilberto Gil