sexta-feira, 29 de maio de 2009

BSB

Estou aqui tentando e tentando, mas nada sai de bom pra escrever. Impossível não lembrar dos grandes escritores, pensar se tiveram essa mesma aflição, com uma enxurrada de palavras querendo sair, mas sem saber como organizá-las sobre o fundo branco. Não me comparando a eles, claro. Guardadas as devidas proporções, acho que isso deve acontecer com todos que escrevem.

Quero contar que estou aflita, quase urgente. Não sei como fazê-lo. Estou ansiosa e isso me faz um mal danado. Mas no fundo estou bem feliz.

Sobre a cama há evidências de uma noite mal dormida. Na verdade, pouco dormida, apenas poucas horas de sono, só para constar na lista de intervalos entre um dia e outro.

Desisto.

Parto hoje pra Brasília.

Fiquem com Deus.

L.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Duas lembranças

Problema é aquilo que nós criamos pra não deixar a vida ficar sem graça.

Era uma tarde fria de um domingo silencioso. Ou o contrário. Não me lembro mais. A Rua Sorocaba, enfeitada de árvores altas e encimada por pedras portuguesas, seria o abrigo, o refúgio de um corpo sem alma e sem sombra. Eu não era eu, era o restinho de alguém que não aprendera ainda a ser dura consigo mesma. Quando fui recebida naquele lugar vazio, só havia entre nós um profundo sentimento de amor. Amor terno e paciente. Amor caridoso. Amor apenas. Enquanto eu falava e falava, mãos bem talhadas me corriam pelo rosto. Enquanto eu era apenas eu, não havia recriminação, nem conselho. Só ouvidos. Em verdade, eu estava feliz de estar lá. Vi uma borboleta entre as árvores. Vi duas. Muitas borboletas passeavam por lá. Lá me encontrei, perdida em mim mesma. À sombra dos coqueiros, respirei fundo, olhei pra televisão e apertei o Off. Na rua das borboletas.

Era uma tarde quente de um domingo agitado. Fim de um ciclo, início de outro. Lembro bem. Segui com o queixo empinado, firme e resoluto, rumo a um fim de noite com aborrecimentos. O sol se punha sem pressa. Com flores nos olhos fui recebida. Joguei as armas tão longe que nunca mais as vi. Subi as escadas me dando em sacrifício, como uma virgem sendo entregue ao todo-poderoso deus da luxúria. Debruçada sobre o muro da enorme varanda, lá do alto olhei para o ontem. Gostei, senti saudade, suspirei e sorri. Quando rodopiei, estava numa valsa insana, ofegante, em malabarismos e contorcionismos, prestes a alcançar a estrela mais distante do vazio céu. Havia ali doces inverdades e vontades sufocadas. Não havia sequer resquício de medo. Eu estava segura, firme e de pé. Eu não era eu, era uma bruxa, enredada no próprio feitiço. Lá me perdi. E corri ainda mais, pra não ter de me achar tão cedo. Enquanto o carro abria caminho pelas ruas escuras, sorri, olhei para o teto e pedi bis. Na vila do por do sol.

L.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Lógica que gira o mundo

Onze pessoas estavam penduradas numa corda num helicóptero. Eram dez homens e uma mulher. Como a corda não era forte o suficiente para segurar todos, decidiram que um deles teria que se soltar da corda. Eles não conseguiram decidir quem, até que, finalmente, a mulher disse que se soltaria da corda pois as mulheres estão acostumadas a largar tudo pelos seus filhos e marido, dando tudo aos homens e recebendo nada de volta e que os homens, como a criação primeira de Deus, mereceriam sobreviver, pois eram também mais fortes, mais sábios e capazes de grandes façanhas...Quando ela terminou de falar, todos os homens começaram a bater palmas.

Autor Desconhecido (enviado pela amiga Valéria do Orkut)

Eles se julgam tão espertos, tão fortes, tão necessários... Com astúcia, inteligência e uma dose de sarcasmo, a razão é sempre feminina.

Maravilhoso fim de semana!

L.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Morte em 5 atos

I

Queria que fosse o fim de um ciclo confuso e dolorido. Mas não foi, nunca seria. O fim só poderia ter sido decretado com a minha morte. Ou a dele. O recomeço, com flores e sonhos repartidos, não aconteceu. Meu despertar era ainda em semi-escuridão. As cortinhas do quarto, bem como as que nos separavam, estavam sempre cerradas. Enquanto lá fora a cidade fervilhava com os acontecimentos diários, aqui dentro de mim jazia um sentimento, num eterno descanso de mentiras.

II

Uma vez? Onde? Foi melhor? Ela sabia que a cada resposta, fosse qual fosse, empurrava ainda mais a faca no próprio peito. Ela pensava estar preparada, mas se enganara. Tudo não passava de românticas vontades do seu esperançoso ser. Dia a dia descobria que as respostas nunca faziam parte do time Verdade. Freguesa antiga, entendeu que estava mais uma vez carregando um peso morto nas costas. Quando menos esperava, um golpe de ar a deixou acamada. Uma violenta dor tirou-lhe o sorriso e a vontade de continuar viva.

III

Não havia o que pudéssemos fazer. Tudo o que era possível fora tentado. Junto ao pequenino corpo, choravam pai e mãe, tão amargurados quanto responsáveis pela morte do pequeno feto. Tentamos não olhar, não queríamos saber o que seria deles; aquela morte era ainda mais pesada do que supomos aguentar. Então havia uma vida, havia uma história e um filho criado numa perfeita noite de sexo sujo, deitado sobre o sofrimento alheio. Eles arriaram as oferendas na encruzilhada de noite e no dia seguinte, enterraram o fruto de sua vergonha. Não, nós não queremos mais ver pequenos corpos pendurados em árvores podres, nem ouvi-los chorar de noite, pela morte lenta e agoniada de seus pais.

IV

“Tia Lene?”

V

Corri o máximo que pude. Quanto mais corria, mais deixava um rastro de lágrimas de sangue. Morri muitas vezes numa só noite. O que não morreu de mim, eu mesma tratei de afogar no lago que se formou do meu sofrimento pela palavra não dita e o afago não feito. Anjos me deram lenços, com os quais sequei o rosto e tornei a correr. Quando parei, ofegante e ainda com os olhos úmidos, vi que não sabia qual caminho seguir. Lá no fundo, uma voz pediu ajuda. E do raso, outra voz respondeu e me guiou. Viajei por estradas, naveguei por mares e voei por sobre montanhas, até chegar a um lugar fresco, rodeado de verde, tranquilo e acolhedor. Sem que eu percebesse, mãos fortes e braços longos me envolviam num sonho onde nada seria capaz de me ferir. Estava errada. Senti o corpo encontrar a parede, num balé grotesco, enquanto ouvia meu coração pensar em desistir de tudo. Escondi-me, solucei até que todos os deuses fossem capazes de me ouvir, talvez tivessem piedade de mim. Piedade. Cercada de poças, levantei e, boa menina, fui obedientemente buscar nosso alimento. Havia dor de tanta perda, mas uma luz de esperança apareceu no caminho de volta. Enquanto a primeira refeição do dia, que acontecia na primeira hora da noite, reanimava o corpo, a luz enchia o local de um odor velho conhecido: carinho gratuito. Andando rumo a praia, cedi, perdi as forças, morri mais uma vez. Mas dessa vez, havia uma parede entre mim e o sofrimento, um abraço removedor de montanhas, cessador de ventos. Em pouco tempo eu estava caminhando por sobre o murinho, leve e esperta como a menina que havia se perdido de mim pela estrada. Dali do alto, eu era novamente bonita e insuperavelmente querida. Pelo mundo minhas risadas ecoaram. E sem mais nenhum choro e muito menos vela, enterrei o sentimento morto, contorcido e desfigurado . A vida me trouxe a morte mais esperada. E quando joguei a última pá de terra, num assopro, morri também. Pela última vez.

L.

Certeza em gotas

― Se eu engravidasse agora, o que você faria?

― Agora?

― É. Com a vida que a gente leva hoje.

― Ah... A gente ia conversar.

― Tá, ok, eu já engravidei, fiz o exame e hoje tô te contando. O que você faria?

― ... Ia vir, né? A gente deixaria vir.

― Entendi. Isso já tá decidido. E nós?

― Ia continuar junto, né? Se já tá junto, continua. Não tem porque terminar.

― Junto como? ... De verdade, morando junto, casado?

― É claro, a gente ia casar. Cara, é você que eu vejo do meu lado, mãe do meu filho.

L.