terça-feira, 29 de junho de 2010

The Great Debaters (O Grande Desafio)


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Os dias têm passado depressa nas últimas três semanas. Muitas e muitas vezes me sento aqui, vasculhando no meu monte de ideias algo que seja prazeroso registrar. Falar apenas de mim, meus dias, minhas desventuras e amores nem sempre me satisfaz. Para alguém que se julga boa o suficiente para si mesma — porque não importa o que pensem os outros, eu preciso me saber pronta e capaz — realizar algo e dar ao mundo um pouco do que existe em mim é muito mais do que apenas digitar algumas linhas: é necessário que seja como a garrafa que derrama o líquido e se enche de ar, já que é um pouco de mim que ficará neste mundo, é necessário que eu me encha de alegria ao derramar minhas palavras.

Em alguns momentos cheguei a pensar que me faltava inspiração ou que essa coisa de dissertar sobre temas alheios a minha vida fosse algo que merecesse muito mais estudo e tempo para ficar bom. Relendo os textos antigos e sem conseguir acreditar que fossem meus, saídos não de minha imaginação, mas de meu conhecimento da vida, ficava tentando encontrar a base, o motivo que me levava a escrever tão bem sobre determinados assuntos, ainda que não os dominasse. Chegava a parecer sobrenatural, já que num dia de leitora e não de autora, tendo a me sentir insuficiente diante do que produzo. Pois bem, creio que me subestimei mais uma vez.

É noite gelada do final de junho. Sob dois edredons pesados me pus a assistir um filme que encontrei largado entre os lixos perdidos, escombros de uma relação que desmoronou sob minhas vistas e foi levada com a enchente de minhas lágrimas.

As letras do título do filme me traziam a lembrança de quem as escreveu e, como determina a visão sempre analítica do meu trabalho, observei-as mais detidamente e concluí que o filme devia ser de massacre, terror, briga e sangue espirrando para todos os lados. Isso seria realmente uma análise grafológica ou apenas mais um sopro de mágoa? Diante de minha própria dúvida, pus o DVD no player a fim de descobrir do que se tratava e constatei que, tendo Denzel Washington capitaneando-o, provavelmente deveria ser interessante. Em outras ocasiões, tentei assistí-lo três vezes. Da primeira, telefone tocou, atendi, visitas, casa a arrumar, acordar cedo no dia seguinte e a história que seria contada ficou para outra hora. Quem sabe com o namorado novo?, pensei. Da segunda vez, como foi extremamente mal gravado, o DVD pulou feito boi de rodeio e eu não consegui acompanhar mais do que as primeiras cenas, mas ao menos consegui sentir que era um filme que tocaria em algum assunto delicado. Mas o que me dizia isso? Com sono e cansada, não consegui encontrar a resposta.
Hoje, sozinha e protegida do frio, xícara de chá de maçã para ficar mais confortável, pus o filme no computador.
Descobri porque ele havia me chamado a atenção: negros, juntos e em festa, numa noite qualquer de muitos e muitos anos passados. E por que isso me faria querer ver um filme?, questionei-me enquanto configurava as legendas. Porque estas pessoas desse passado, de uma forma ou de outra, fazem parte da minha História. Porque eles lutavam pelo direito que eu mais prezo nessa vida: o de ser livre física e psicologicamente. E apesar do discurso vitimista de muitos negros atualmente, do que lhes foi tirado, negado, roubado, prefiro crer que todo esse sofrimento e luta não tinha apenas o propósito daquele momento, mas também este, o que acontece neste justo momento: seus descendentes tendo a oportunidade de ler, escrever, sem grilhões, sem açoite, sem medo, participando de uma sociedade, girando a roda do mundo com a própria vontade, donos de seus próprios caminhos, contudo, sem jamais esquecer dos que vieram antes e levando suas histórias aos que vierem depois.

Exatamente como da outra vez, telefone tocou. E ficou tocando silenciosamente. O vizinho começou a entoar músicas evangélicas a plenos e desafinados pulmões. Mas havia naquele filme algo que não combinava com a derrota. Desliguei o telefone e pus o volume das caixas de som no máximo. Muito mais do que apenas assistir um filme, eu tanto queria quanto precisava daquele momento comigo.

O filme baseado em fatos reais, narra a história de um grupo de alunos de uma pequena faculdade para negros no Texas, Estados Unidos, em 1935. Lá onde havia ônibus para negros, bares, municípios, estradas somente para negros. O trabalho nos campos, nas lavouras e doméstico nas casas de família e as prisões também eram feitos especialmente para quem nascia não-branco. Naquele tempo, assim como antes, olhar um branco nos olhos era o que bastava para ser detido, esmurrado, cuspido, amarrado a dois carros que, marchando em direções opostas, partiam o negro ao meio. Ou em várias partes.

E foi naquele tempo que um professor anarquista ensinou aos seus alunos o que perpetua até hoje entre os docentes: somente o conhecimento traz a vitória. O conhecimento é que nos diferencia, é nossa mais valiosa moeda de troca. Conhecimento é bem eterno, durável, do qual jamais poderemos nos desfazer e o que ninguém é capaz de nos roubar.

E foi com o conhecimento, e, claro, uma boa dose de inteligência emocional, embora naquela época não definissem assim, que os jovens negros reescreveram suas histórias com o suor da luta de quem vence a si mesmo, para então descobrir que eram capazes de lutar contra outros e vencer qualquer obstáculo, ainda que parecesse intransponível.

Não há oponente mais poderoso do que aquele que dorme e acorda ao seu lado, sabe todas suas fraquezas e usa-as para lhe dizer a todo o momento que você não é suficientemente bom para algo. Nada é mais difícil do estar contra si mesmo.

Quando o filme acabou, com a manga da camisa sequei as lágrimas, não de tristeza, mas de orgulho, uma forte sensação de que após quase 50 anos da morte do aluno mais novo daquele grupo, que na época tinha apenas 14 anos — e já estava na faculdade — tudo aquilo continua sendo lição e motivação para que continuemos lutando e provando ao mundo que não é cor de pele que nos limita e muito menos diz quem somos: continua sendo o conhecimento que nos difere, engrandece e nos permite ser o que quisermos. Até mesmo imortais, porque nossos corpos se vão, mas nossas idéias atravessarão tempos imemoriais.

Talvez este texto não fique tão bom quanto os antigos, talvez eu me ache realmente o último biscoito de chocolate do pacote no meio da tarde de trabalho, mas enfim, é o que gosto de fazer, é o que amo, é o melhor de mim, por hora, que posso deixar aos que me sucederem com um desejo íntimo de que sejam melhores que eu, que tenham mais conhecimento, que alcancem até onde suas vistas não puderem chegar.

E aos que me precederam... Obrigada por jamais deixarem escravizar suas almas e coração, porque livre é o que nós somos desde que nascemos.

Kerabe?
Kera dorong!

L.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Fragmentos

Alguns sentimentos não ouso admitir nem para mim mesma, mas nem por isso deixam de existir. Há em minha vida momentos em que nada é forte o bastante que mereça ser guardado, mas que me dá prazer em relembrar para ter a exata noção do quanto evoluí. E apesar do blog servir para se registrar o que der na telha, como ele é lido não apenas pelos que me querem bem, então não acho conveniente postar, salvo raras exceções, tudo o que me acontece. Até porque, minha vida é normal. Nunca matei, mas já morri. Não bebo, não fumo, não cheiro e não cracko. Enfim, sou quase uma santa. Amém, Jesus.

Mas off-line a vida continua pulsando e eu sigo escrevendo, porque a memória é falha. Por vezes quando quero me lembrar de determinadas situações, são esses textos que me trazem o passado de volta, que me relembram o cheiro dos dias coloridos com a família ou o cinza do meu próprio sofrimento. Pensando nisso, resolvi publicar trechos do verdadeiro diário, fragmentos de uma vida real, escritos enquanto o mundo girava, de fato, em torno do meu umbigo.

Espero que gostem e apreciem. Se não entenderem o contexto, não tem importância, no fundo a intenção é essa mesmo. :-)

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Hoje, voltando da terapia, em mais uma noite sozinha cruzando as ruas feias e quietas da Zona Norte, tive também mais uma brilhante ideia. Nada fica registrado daqueles pensamentos loucos. Loucos? Hunf! São meus e nem eu mesma me dou o direito de julgá-los. Queria guardá-los, mas em voz parecem não ter a mesma verdade. Em papel é impossível, já que ônibus costumam não ser locais indicados pra isso. Esperar chegar em casa para digitar é declarar a morte de tais pensamentos. O dia, os acontecimentos, a vida de forma mais clara e honesta, tudo estará aqui registrado, de modo que nem tudo será publicado. Mas se há de haver honestidade, então é certo que quase nada será publicado. Pensamentos... Minha vida.

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Retornando a vida. Não, nada que tivesse me posto a beira da morte, mas sim, tudo que tivesse posto a sanidade a prova. O projeto de escrever todos os dias, da forma mais aberta possível, teve a sua primeira barreira justamente em mim, quando a saúde falhou, me obrigando a deixar de lado trabalho, estudo e amor. Bom, o amor já está de lado há muito tempo...

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Enquanto descia de ônibus, pensei: só pegamos o mesmo ônibus quando desço atrasada. Terei de optar: vê-lo ou bater o ponto.

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Naquele momento, tirando quatro caixas de remédios diferentes da bolsa e ainda sentindo dor no braço onde havia tomado a medicação, me dei por vencida. Já havia lutado o suficiente e havia perdido a batalha, mas se insistisse, perderia não só a guerra como possivelmente também, a guerreira. A derrota nem sempre é mal-vinda, pensei, basta entender em qual momento estamos: de aproveitar a glória da vitória ou de aprender com o fracasso. As pequenas vitórias do dia-a-dia foram maravilhosas nesse ano e meio, então não tenho realmente do que me queixar. E sabe lá o que Deus me reserva mais para frente? Então se esse é o momento de aprender, que assim seja.

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Estava sentada na maca, tinha acabado de ser furada pela agulha que levou remédio e soro até a veia mais próxima a fim de restabelecer o funcionamento normal do meu estômago, que a cabeça tinha feito o favor de achincalhar. Sentindo a dor de um lado sumir e do outro pulsar, deitei e esperei o sono trazer alguma resposta para a pergunta que não me cansava de repetir “o que é isso?”. Quando acordei, quase duas horas depois, ainda estava na mesma questão, só não tinha mais dor. No caminho, tudo parecia ter se resolvido com a injeção, mas alguns metros depois o mundo voltou a rodar, o corpo pesou e o cansaço quase me derruba outra vez. Já em casa, não pude fugir. Passei o restante do dia dormindo o sono daqueles que levantam uma pirâmide em 60 dias. Dormi um sono sem sonho, apenas profundo e puro cansaço. E todas as vezes que acordava ele estava ali, pronto e firme, sentado no computador. Não tardou a vir a febre, sinal histórico de que algo vai errado. Só principiou a melhorar quando ela apareceu. Abri os olhos e ela estava ali parada no batente do quarto, tão linda e iluminada, minha mãe, a criatura que eu mais precisava naquele momento. Ansiava por ela, mas sabia que estava cansada do trabalho, então não esperava e até entenderia que não fosse me ver. Mas ela foi. Mãe é mãe.

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Não sei em que momento tudo mudou de rumo, mas horas e horas depois estava me sentindo a princesa no alto do castelo sendo cortejada pelo príncipe.

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A tarde passou voando, nem percebi que enquanto meu rosto outrora sombrio e frio agora explodia em sorrisos e fogo, o final do dia se aproximava. E quando menos esperava (não, mas queria), o telefone tocou. “Só pra comprovar que não é nada”, ele disse para em seguida disparar numa sonora e profunda gargalhada, logo acompanhada pela minha, que chegou a me arrancar lágrimas. Eu havia dito que minha voz era grossa e assustava as pessoas, ou pelo menos era o que parecia. Conversamos mais alguns minutos, rindo, falando sério e criando laços invisíveis, tecidos com generosidade e gratidão. Quando se despediu de mim ao telefone, disse bom fim de semana e eu pensei que não nos falaríamos mais, mas lá estava ele me chamando na internet com seu “Uia” e me arrancando outro sonoro riso. Os colegas do lado não entendiam como uma pessoa recém-saída da emergência de um hospital podia estar daquele jeito, tão animada.

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Ali eu era Bella apenas. Não havia obrigatoriedade alguma, nem terror psicológico, nem sadismo. Ele já havia lido meu blog, conhecia mais de mim, sabia com que bicho de 70 cabeças estava lidando. Sabia que eu só precisava daquilo, um pouco de sorrisos no meio da tarde.

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Ficou a sensação de que falta algo, não sei onde e não sei em quem, mas apenas que falta. Há um buraco e não é apenas ele, a pessoa, mas situações corriqueiras que, de tão raras, passaram a ser fenômenos. Talvez eu esteja desistindo de mim, do amor. Talvez esteja afundando em minha própria carência. Não sei.

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Fiquei ali, deitada do lado dele, querendo que o sonho tivesse sido realidade, ainda me sentindo exausta da noite fantasiada. E então, como não havia outra opção para apaziguar a dor quase física que aquele desejo causava, enveredei por aquele corpo, velho conhecido e não tão desejado assim, mas que naquele momento seria o mais ajustado para resolver a questão. Fiz força para esquecer os problemas e me concentrar apenas na necessidade de ser saciada em verdade. Quando o abismo se apressou em crescer a minha frente, me senti tão ordinária e suja quanto inteligente, esperta, linda, sensual, amada, maravilhosa. Eu não era eu, era muitas mulheres num corpo só, dando-me a chance de aproveitar cada uma delas.

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E ainda estou forçando uma barra porque, depois de tantas agruras e obstáculos, agora preciso dizer que encontrei algumas respostas. Claro que não resolvem todos os problemas ou há apenas uma resposta que defina e explique tudo, mas as pequenas luzes me ajudaram a achar o caminho de volta pra mim. Primeiro, após contar os 100,00 que saíram da minha conta rumo ao caixa das farmácias entre os diagnósticos de estresse e logo após de gastrite nervosa, eu vi e aceitei a derrota. Não existe vergonha em perder, mas sim em desistir de lutar. E isso não se pode dizer de mim; não desisto mesmo quando deveria (vide esse relacionamento louco que já dura quase quatro anos). E quando se perde a batalha, o melhor é reconhecer – ou a própria fraqueza ou a superioridade do inimigo – e partir para a para a próxima, já que a guerra, essa sim, só termina com o derradeiro suspiro.

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Ela é o tipo de pessoa que faz biquinho e consegue o mundo. Sendo loira e magra, então... Tá, ok, admito também que a maldita da inveja feminina me fez escrever isso, mas é notório que mulheres belas não precisam fazer muito esforço na vida. E se alguém duvidar e me disser que existe uma bonita que teve que dar duro na vida, eu lhe direi sem pestanejar: então é burra.

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Entendi de uma vez por todas que o meu trabalho é importante pra mim, e meu trabalho é o que eu faço e como, não o que alguém me manda na esperança de que eu obedeça.

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Eu disse a ela que homem, nesse momento, não estava me fazendo falta. E não está mesmo, estou sem ânimo, sem cabeça. Se o verdadeiro amor me reconhecer na rua, nos encontraremos se ele vier atrás de mim porque eu, agora, não estou pensando nele. Que tipo de pai eu estou pretendendo dar ao meu filho, meu Deus? Não me deixe fazer nenhuma besteira enorme e irreversível.

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Já dizia minha amada avó Maria José, aliás, dizia não, ela ainda diz (com a graça de Deus), que dia de muito é véspera de pouco. Será então que o contrário é verdadeiro?

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Hoje me questionei, no meio daquele trabalho ridículo, se um dia eu perdoaria M. e todos ligados a ele que um dia me magoaram. Se eu o perdoar, provavelmente significará estar com outra pessoa, já que não me vejo mais com ele. Olho pra essa aliança de noivado no dedo e penso o que ainda eu espero pra acabar com isso. Medo? Relaxamento?

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Ele é bonito, tão bonito quanto uma manhã fresquinha, poucas nuvens no céu, nem quente e nem frio, só a luz e o cheiro bom de dia novo. Outro baixinho. Mas não me afobo e nem o desejo, a mim basta olhá-lo e perceber que me percebe, no meio de tantos outros passageiros rumo ao trabalho. Se um dia me disser oi, não sei, acho que engasgo. Mas algo me diz que ele não dirá. Talvez a ele baste perceber que é percebido. Deixa assim.

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Ela me perguntou e eu confirmei que ele ainda me balançava e então ela disse que se ele tocasse alguma música de nossa história, que só nós soubéssemos qual era, então ele ainda sentia o mesmo. A primeira fez tchan... A segunda foi nossa música, a primeira e especialmente nossa e só nossa, aquela que sempre tocou pra mim – porque ele dizia que sempre seria pra mim – mesmo nos momentos de raiva. Aaahhh flutuei e ri, ela riu junto e ambas gargalhamos fartamente da confirmação.

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Finalmente a luz voltou! E quem a trouxe? Ela, sempre ela... A melhor mãe do mundo, mesmo quando ela tenta parecer uma moleca irresponsável. Não tem jeito, eu a amo. E quem ama perdoa.

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Ela me disse: “isso que te faz voltar e não deixar o novo entrar, será que não é medo?” e eu fiquei matutando todos os dias e horas. Ali em Madureira, tão pertinho de Oswaldo Cruz, decidi trazer meu amigo de volta pro seio de minha vida. Decidi abrir a janela e não mais esperar que o Sol sorrisse pra mim, mas sim, agora eu iria cantar e dançar em saudação a ele.

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Caminhar em Piedade. Perdi o fôlego quando ele me olhou, despiu-me de alto a baixo e murmurou quase em prece “você tá linda”. Abraço forte e apertado, justo para não caber mais nada além da saudade. Ficamos ali no meio da Suburbana, tarde da noite, num enlace gostoso dos que se gostam e precisam de outra oportunidade de provar isso.

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E ele me disse “Poxa, Lu, era pra gente estar junto até hoje, casado” e isso me atingiu forte na boca do estômago. Sim, ele seria um bom pai pro meu filho, consciente e responsável, inteligente e bonito. Mas não me condeno, foi como tinha que ser. E conversamos muito, cartas na mesa, jogo aberto e limpo.

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Ele não me ligou e muito menos me chamou. Hunf! Nem eu. De hora em hora abria o programa para ver se ele ainda estava lá – e estava sempre – mas não senti vontade de amá-lo, pelo contrário, fiquei extremamente surpresa com minha capacidade de não mais me preocupar com a subtração e sim, com o milagre da multiplicação dos homens.

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Cheguei em casa e cometi um pequeno assassinato. Sei lá o que me deu, só sei que fiz e que se dane. Não me irritei o dia todo apesar de falar com três tp-émicos, mas naquela hora eu estava mais travessa do que raivosa.

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São meus dias, meu esforço, meu mérito com o infalível cuidado de mãe. Minha mãe... Ah, quando penso no dia em que ela me vir de beca e faixa azul na cintura, os olhos marejam e a emoção que na prática ainda está longe, me arrebata como se estivesse acontecendo na hora. Não sei o que é tão mais importante, o meu sonho realizado ou saber que ela estará se realizando em mim. Eu, a primeira, não esperada, não desejada, mas aceita e muito amada. Apesar de tudo, não tenho dúvidas: fui e sou muito amada.

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A noite chegou e com ela a arrumação do destaque de escola de samba: purpurina, glamour, festa. Quando pus o sapatinho de cristal, dei umas duas ou três voltas em torno de mim mesma e concluí que eu havia me tornado uma mulher muito bonita mesmo, uma mistura de raças que deu muitíssimo certo.

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L.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Canções de um rei deposto e degolado

Poderia ficar dias, noites, semanas e anos seguidos contando toda a história. Poderia não comer, não beber nem dormir. Só contar e contar. Colocar para fora tudo o que se passou nesses três anos e meio – a minha versão da tragédia – e, assim, condenar o outro a humilhação pública.

Não o farei.

Por ele, não. Por mim, que ainda preciso digerir a mágoa antes de ser justa ao escrever sobre esse relacionamento doente e doentio, que me roubou anos da vida, mas que no fundo me deu valiosas lições sem as quais, provavelmente, ainda estaria cometendo os mesmos erros do passado.

Foi um treinamento militar. Toda a sorte de desafios se ergueram a minha frente. Eu não tinha mais um namorado de carro me pegando em casa, ia sozinha de trem lotado até ele. Isso é apenas o brilho da ponta do iceberg, porque aqui dentro ainda flutuam os acontecimentos de uma época em que toda a minha educação, religiosidade e capacidade de perdoar foram postos a prova. Caí com a cara no chão frio muitas vezes, me reergui e fiz tudo igualzinho, até que um dia aprendi a colocar a mão na frente, o que amenizava as quedas, mas não as impedia.

Descobri muito sem querer os restos mortais dessa vida. Abri, olhei, senti raiva, ódio, mágoa crescendo, olhos vermelhos de sangue, igual ao que escorria pelo canto da boca. Fiquei enjoada, tive vontade de chorar. Choro de dor apenas, não de saudade. Pensei: o que eu fiz da minha vida? Achei a música do Max Viana, essa que toca agora enquanto digito com a fúria de um leão abatido, que não se deita enquanto ainda lhe resta um pouco de força qualquer.

Minha vida... MINHA VIDA!

É, não posso segurá-las, por mais que queira. Elas se jogam com vontade dos olhos, quase têm vida própria, porque querem sair, talvez para aliviar o que o coração não suporta conter sozinho.

[Uma pausa para lavar a alma, deixar escorrer a dor e, quem sabe, ter mais um tempo de cura e paz.]

Fui cobrada por uma perfeição que eu não tinha, ou tinha, mas não sabia que tinha ou como usá-la. Eu deveria ser a “mulherzinha” padrão: boa de cama e disposta para o sexo 24h, legal, paciente, boa cozinheira, arrumadeira, mãe de filho dos outros e cega-surda-muda. Exatamente nesta ordem e nada mais a acrescentar.

Mas não fui. Não sou. EU NÃO SOU PERFEITAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

Eu sou só eu...

Hoje sei que foi bom não ter sido perfeita. Doeria mais ter sido tudo o que o outro queria, abrindo mão de ser o que eu sabia ser e tentando evoluir conforme o que eu acreditava. Esta descoberta de hoje trouxe a tona situações pesadas, algumas até que eu não sabia que havia acontecido. Há também as provas que fundamentam crimes. Mas, enfim, se assim foi, é porque assim teve de ser.

Digo amém porque saí mais forte e, isso sim é ótimo, estou viva, com saúde e usando todas as lições para dar o melhor de mim outra vez.

L.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O melhor de mim

“Se quiser civilizar um homem, comece pela avó dele” – Victor Hugo

Como acontecia nos anos 80, com a pequena diferença de que não era mãe e filha, esperei a hora da saída da escola para levá-lo a algum lugar que, possivelmente, faria toda a diferença em sua história. Fiquei em pé, na metade do caminho, dando o espaço necessário para que ele procurasse por mim e encontrasse, como assim havíamos combinado. Palavra é o maior tesouro de um homem.

Quando me viu, seu rosto se iluminou num sorriso ensolarado, e com os braços estendidos ele correu até mim e me deu um abraço apertado, de saudade, de carinho e de certeza por ver que podia confiar em mim.

E eu, bem, eu enchi muito mais o coração de amor, de esperança, satisfeita com a vida e com aquele momento único. Primeira vez buscando-o na escola.

No caminho, conversamos sobre toda sorte de assuntos que nossas idades com uma diferença de 21 anos nos permitem termos em comum. Sabendo que não haveria momento melhor e querendo minimizar os efeitos, tratei de abrir o jogo com ele. Primeiro a reprimenda, depois o desabafo e por fim, o ciúme explícito e declarado. A maturidade me fez entender que ciúme nada mais é do que medo de perder o que se ama, então como vítima desse sentimento por muitos anos, agi com cautela para que nenhum laço fosse desfeito antes mesmo de ser feito. “Eu preciso de um tempo pra me acostumar, Tia.” Nessas horas a única solução é uma boa e franca conversa, mas não tinha certeza de que aquele era o momento.

O Sol morno ainda ia alto no céu quando atravessamos a passarela para chegar a Catedral Metropolitana. Lá dentro novamente depois de tantos anos, senti a costumeira paz que me invade cada vez que estou no lugar certo – o meu lugar. Juntos, oramos e agradecemos a Deus por mais um dia, por tudo de bom que Ele têm nos dado, eu meu pequeno cristão, que ano que vem terá sua Primeira Eucaristia.

Continuamos nosso passeio rumo a um lugar que me é muitíssimo caro, carregado de lembranças da infância, além de guardar uma incomensurável fortuna histórica: Real Gabinete Português de Leitura. Lá mesmo onde eu ia quando minha mãe me apanhava na escola, e nem sabia que meu amor por livros seria tão intenso. Mas como disse Victor Hugo, o trabalho começou com a avó dele, e agora na terceira geração é ele quem deve aprender o poder monumental do conhecimento, do quão transformador ele é. Não podia querer que ele saísse dali um pequeno membro da Academia Brasileira de Letras, mas como, de certa forma, também sou responsável por essa vida que deixarei no mundo quando me for, tenho que fazer a minha parte para que o mundo tenha pelo menos uma pessoa decente. Enquanto pais por aí ensinam seus filhos a mentir, enganar e trair com menos de 6 anos de vida, eu gostaria muito de ter a certeza de que estou fazendo o movimento contrário para educar um ser humano que, como os outros, ainda não sabe o peso de suas ações. É nada menos do que o meu dever como Tia e Madrinha.

Para acalmar o bichinho que mora no estômago e geralmente só aparece quando estou por perto, um McDonalds com boneco do Batman pro passeio ficar melhor. E para minha surpresa e alegria, “vamos tirar aquela foto com a batata?”, ele se lembrou de algo que fizemos há exatos 5 anos.

Ainda tínhamos o resto da tarde, então como um bom cinéfilozinho – minha sementinha também – fomos ao cinema ver Marmaduke, que nos garantiu boas risadas, porque até os filmes bobos demais tem sua beleza.

Na volta para casa, mais uma vez o bico que não deveria estar lá. Tinha chegado o momento de conversar abertamente, com a liberdade que temos e amor que nos une. Eu te conheço desde o seu segundo dia de vida, eu fui te buscar na maternidade e você cabia assim no meu braço. Quando você nasceu, ontem e hoje eu fui e sou sua Tia e sua Madrinha, e, aconteça o que acontecer, até eu ficar bem velhinha de bengala, você será pra sempre meu sobrinho e meu afilhado, porque ninguém nesse mundo pode mudar isso. Então, como se mágica fosse, a paz voltou a habitar aquele coração miúdo, pois agora não havia mais o medo da perda. Quando sentamos no carro, ele recostou a cabeça em mim e dormiu feliz, tranqüilo, menino, e sabendo-se amado e seguro. Eu fiquei olhando aquela vida se formando, agradeci a Deus por estar ali, por termos um ao outro, por ter aprendido muita coisa ao longo desses quase 30 anos e ter conseguido passar apenas o que valeu a pena.

Um dia, quase sem querer, consegui mudar um pouco a vida de uma menina que caminhava para seguir o caminho dos pais, mas (in)felizmente ela não faz mais parte da minha realidade e eu entendo que não posso me responsabilizar pelo mundo; cada um educa seus filhos de acordo com o que aprendeu e com o que acredita ser o melhor. Fico triste apenas por saber que a vida cobra essa educação lá na frente e já é difícil se for honesta, então se for uma orientação deficitária será muitíssimo pior. Mas espero em Deus poder um dia sabê-la formada e feliz, o mesmo que desejo aos meus rapazes.

Com todas as dificuldades, financeiras e familiares, graças a Deus eu tive uma boa base e agora me cabe transformar isso tudo em conhecimento e passar para os que estão chegando. Ainda falta mais um, mais pra intelectualóide como eu, e falta também aquele que está por vir, completando assim o ciclo da vida, de uma caminhada recheada de histórias.

L.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Segunda terça-feira

Querido Diário,

(Essa é sem dúvida a seção que meus leitores mais gostam. Então que assim seja, aí vai um pouco de mim sem meio-termo.)

Hoje acordei meio assim-assim, tristonha, aborrecida com minha incapacidade de ouvir o despertador berrar, ou melhor, a capacidade de ignorar a obrigação de levantar e me concentrar apenas no quentinho divino da manta. As 10:37 tirei os edredons de cima, rumei para o banheiro para... colocar roupa na máquina de lavar! Estou uma perfeita workaholic-home. Quando me dei conta da inversão das prioridades, parei tudo e escovei os dentes e lavei o rosto. Uma casa tão pequena e quanto trabalho há por fazer... Pudera, passei quase dois meses inteiros sem mover uma poeira do chão. Só de lembrar fico arrepiada: não fazia comida nem varria casa, dei o grito de revolta contra a rainha de Sabá, pois já estava cansada de só fazer, só dar, só levar, só tomar (haja cu!) e não ter retorno. Um chiqueirinho foi o que se tornou minha casa, pobrezinha. E é impressionante mesmo o que eu tenho de “bens”. Livros, revistas, apostilas, papéis e mais um monte de tranqueiras que efetivamente poderiam ir pro lixo, mas que por alguma razão sentimental acabam ficando. Desenhos dos meninos, cartinhas apaixonadas, fitinhas do Senhor do Bonfim e até mesmo um baralho velho. Material de RH, ah, isso não vai mesmo! É parte de mim. Mas existem coisas que, exatamente pela razão sentimental, ganham o caminho da rua fácil. Os vestidos dados pelo ex, dois somente, foram parar em algum corpo miserável nessa cidade. Mas o vestido cinza-justo-gostosa, esse não sairá do armário nunca. Nem mesmo quando as formas não ficarem tão boas e definidas dentro dele, como já ameaça acontecer. Esse me traz bonitas lembranças. E é por isso que a faxina nunca acaba: tem sempre algo que não precisa sair, nem acabar, basta apenas mudar de lugar.

Almocei cedo, limpei a cozinha novamente (será TOC?) e fui pra rua aproveitar o Sol frio dessa tarde de outono. Lembrei da mensagem que chegou no celular na noite anterior e tentei ficar feliz, me sentir bem, mas não teve jeito. Acho que primeiro preciso parar de ouvir Los Hermanos. Concluí que esses barbudos me fazem sofrer. Mas parece que não tem muito jeito, no canal do Youtube estão todos favoritados, então saio da gritaria de Mariah direto para a solidão, medo e impotência oferecidos naquelas melodias. E eles estão logo antes de Rita Ribeiro e sua tecnomacumba deliciosa, o que significa dizer que o humor vai do pé a cintura em minutos.

Essa tristezinha desproposital tem propósito, sim. Há uma razão bem séria, mas que só me bate em alguns momentos, geralmente quando estou assim, a toa na lan house, ouvindo música, lendo, escrevendo e vendo meu perfil do Orkut voltar a ter mais de 30 visitas por dia, o que demonstra que a vida voltou a pulsar na rede – não só fora dela – e que, para quem tinha apenas a visita demoníaca do falecido a fim de procurar cheiro de traição, remodelar tudo fez um bem danado.

A tarde passou rápido, muito mais até do que eu gostaria – se tivesse acordado cedo ela seria maior. E a tristezinha ali, alfinetando o coração como um relógio cuco. No MSN alguém chamou. Ela me disse coisas tão bonitas, parecia mesmo que Deus tinha ouvido meu lamento e estava me dizendo aquilo para que eu não perdesse a fé. Saí de lá mais em paz do que havia entrado e segui para casa. No caminho “Olha a mensagem!” e eu sorri ao ler o torpedinho carinhoso, que me lembrava que Deus está mais comigo do que eu imagino. Mas nada disso foi capaz de me tirar aquele gosto amargo da boca. A mágoa... Mais uma vez ela tomando conta do coração. Cheguei em casa, fiquei longamente olhando o reflexo no espelho, cabelo sujo, pele feia, sem sorriso. Vontade de gritar, de espernear e chorar uma raiva dolorida, uma dor de cotovelo, dor de não poder matar, de não poder machucar. Respirei bem fundo, acumulei bastante ar nos pulmões e soltei bem devagar, iogue, buscando a paz que só eu posso me dar. Tomei banho, deixei a água bater na cabeça, ombros e pernas. Deixei a inquietude ir embora.

Quase perdi o ponto de descer do ônibus, cabeça estava longe. Apesar de sair de casa atrasada por causa do banho, cheguei a faculdade na hora em que deveria. Um chocolate e algumas respostas depois, ouvi alguns comentários dos colegas. Daqui a duas semanas começaram as provas – puta merda! – e ainda não tinha entendido porque algumas pessoas falavam em sentar do meu lado. Ainda não estava bem situada. Acho que relaxei tanto na respiração que perdi o foco. Caí em mim quando uma menina perguntou “Ela faz o quê?” e a resposta de outro rapaz foi “Ela saca tudo de RH”. Eu? Sim, eu! Voltei a realidade, caí em mim outra vez. Eu havia passado a aula toda respondendo as perguntas, de cabeça, sem consultar nada e sem errar. Eu. E então eu disse baixo: eu sou RH. Orgulho máximo lotando o peito, vislumbrei o caminho de novo. Eu sei, sim, porque amo, porque vivo disso, porque tenho certeza de que é isso que quero fazer para o resto da vida.

Encontrei o calcanhar de Aquiles da tristeza e dei logo um chega-pra-lá nela. Enfiei as mãos no casaco e caminhei animada de volta pra casa, olhando para meus sapatinhos novos.

Antes, uma passadinha na lan house. Como não poderia deixar de ser e estava até demorando para acontecer, as frases palhaçais no MSN começaram. Dá uma preguiça... Qual o interesse uma pessoa tem de mostrar a outra que ela está feliz, bem feliz, namorando, dando, comendo ou simplesmente bancando idiota? Eu deveria saber, né? Já fiz isso! rsrs Mas tenho um habeas corpus: fazia para provocar a reação contrária, ele veria que eu estou “amando e sendo amada” e viria correndo me procurar, tomado de ciúmes. Mas ele nunca vinha. rsrs Como sei que aquilo ali é tudo, menos uma tentativa de me provocar ciúmes (Deus me livre!), fiz o de costume: ri, virei a página e cuidei do que me interessava na internet. Fui comentar a atuação do meu time via Orkut, pareço até um homenzinho falando de futebol! hehehe

Quando deu a hora de ir embora, comentei com um amigo: quase caí na armadilha. Pensei comigo: mas Rita Ribeiro me salvou. Quando se deixa de prestar atenção ao grande e pensa-se nos vários pequenos que compõem o todo, quando se observa mais, é possível enxergar a beleza que inexiste nas coisas óbvias. Tirei o sapatinho de boneca e me entreguei ao descanso na minha confortável cama. Foram 53 minutos no telefone. Fiquei com vontade de gritar outra vez, mas não pelo mesmo motivo. Tive vontade de escrever um poema. O último foi feito ano passado, depois de uma noite ótima no Sambola. Então aqui, sentada agora, analisando meu dia e devorando meu pêssego, senti a necessidade de escrever outro. Mas a inspiração não veio.

O ser humano ainda é a minha tara e me divirto, sobretudo, com as imbecilidades que é capaz de cometer. As minhas, claro, não são muito melhores ou diferentes. Agora já mais calma e duplamente saciada de todas as minhas fomes, inicio o ritual do sono, vagarosamente, começando por aceitar a idéia de que, a 1:18h da manhã eu realmente preciso dormir.

Quase me esqueço: fiz um diário no período em que fiquei longe do blog. Publicarei as melhores partes.

Deus é mais!!! :-D

Boa noite.

L.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O maravilhoso som da vida

“Aponta pra fé e rema” (1)

A música é para mim muito mais do que uma voz que sai da caixa de som. É, muito mais do que qualquer significação lógica, a maneira que encontro de expressar sentimentos que não sei como definir, escrever ou mesmo contar. São produtos prontos e acabados, embalados e entregues para dizer a mim e ao mundo que meus pensamentos e vivências não são exclusividade minha: alguém pensou e passou por isso antes. Ou, na pior das hipóteses, uma previsão do que estava por vir comigo e com mais outro alguém pelo universo a fora.

Quando gosto de uma música, não é simplesmente por causa da melodia, da voz do intérprete ou porque está na moda. Minha preferência, antes de tudo, tem que ver com o momento. Já passei noites, por exemplo, sonhando com o príncipe encantado ao som de Beijo Doce, da extinta banda de funk Copacabana Beat. E outras também olhando o infinito com cara de sou-a-pessoa-mais-feliz-do-mundo ouvindo Frenesi, do grupo de pagode Pixote. São situações musicais inimagináveis para mim, mas que sim, fazem parte da minha história, da qual me orgulho e faço questão de preservar. Da mesma forma que Stevie Wonder, Jon & Vangelis e Michael Jackson me trazem a memória pessoas amadas, três que figuram entre as mais importantes.

E assim, Sarah Bairelles sempre irá me remeter ao inesquecível Carnaval em Cidade Ocidental-GO e Brasília-DF; K Young, Tamia e Dughettu sempre falarão de uma linda e eternizada história de amor sincero; Boyz II Men e Los Hermanos sempre trarão para junto do peito um amor que transcendeu a amizade; Racionais MC’s sempre terão o poder de remexer em feridas cicatrizadas para mostrar que a guerreira não está morta.

Pensei nisso tudo porque achei no tal pen drive algumas músicas que me fizeram analisar uma série de coisas do passado sob nova ótica: agora de quem já passou e só ficou com a lição.

Era tarde de um sábado quente, estávamos seguindo para Nova Iguaçu. No carro a conversa estava animada, um tanto tensa de minha parte, que não sabia exatamente como agir diante daquele retorno repentino. Talvez pensando o mesmo que eu, ele interrompeu o assunto.

— Ah, quero te mostrar uma coisa. – falou, tirando um CD do porta-luvas.

— O que é? Música nova?

— Não, mas é uma música que me faz pensar em você.

“É, morena, tá tudo bem.

Sereno é quem tem

A paz de estar em par com Deus” (2)

Mais uma vez uma música respondeu a tudo, ou quase tudo, que eu precisava saber.

Então estava aqui ouvindo Los Hermanos novamente, sentindo umas saudades gigantes, dele, dela (que também gosta do grupo) e parei numa outra música chamada Sapato Novo. Coração apertou bem pequenininho... Ele estará de volta em alguns dias, ela não mais. Los Hermanos é uma banda de rock-melancólico que não me agrada, mas suas letras por vezes me pegam assim, desmascarando sentimentos que eu teimava em dizer que não tinha. E pensar o que pensei ouvindo aquilo me fez entristecer realmente. Mas como eles mesmos cantam “Nem choro mais, só levo a saudade, morena. É tudo que vale a pena” (3).

Sequei as lágrimas do pensamento, porque nem tinha mais o que pensar, e fui tratar de viver. Agora outra música... Mulher Elétrica está no topo, seguida por O Jogo é Hoje, fechando com Tá na Chuva, todas dos Racionais, cada qual com seu importante significado para mim.

O costume de rejeitar tudo que me lembre, de alguma forma, pessoas que me fizeram mal, provavelmente começou a encontrar seu fim. Desde o ano passado identifiquei que o gosto pela cultura e mitologia africana tinha sido colocado no mesmo patamar que o herege do meu ex. Tudo relacionado a esta belíssima história dos meus antepassados se resumia a um “Deus me livre” como se eu mesma não tivesse vindo de tudo aquilo. Eu vim e cá estou para tentar aprender mais e perpetuar a riqueza do povo que veio para cá a força, e com amor construiu uma nação de negros com brancos e índios, que misturados entre si formaram este fantástico povo brasileiro. E para não cometer o disparate de me achar a detentora da verdade do mundo e abrir a boca para dizer – com total propriedade – que a umbanda é nacional [Que religião afro é nacional, anta?! Se orienta, garota.], busquei lá dentro o respeito que sempre senti pelo passado e a vontade de ajudar a escrever a História também. E nessa volta triunfal às origens, ao meu herói Kunta Kintê, aos orixás, as religiões afro-brasileiras (trazidas por escravos africanos e adaptados a realidade dos negros brasileiros), aos que vivem hoje no continente africano, ao povo de Gâmbia especificamente, que ouvindo É D'Oxum de Rita Ribeiro na rádio MPB FM (música brasileira, meu povo!) lembrei que, apesar de ter a minha fé bem resolvida e solidificada no coração, também faço parte disso tudo que existe na Terra. Esta orixá, dizem os verdadeiros entendidos no assunto, é a que me governa, seguida de uma outra chamada Iansã, que me toma a frente. Ouvi a música num momento tão bom, em frente a Igreja de N. Sra. das Graças e concluí que o divino mora em mim e não o contrário. Sou a favor de tudo que me faça bem, de energias positivas. E foi ouvindo a música Picture of Jesus, de Ben Harper, que percorri outra vez a planície de Zamunda, nalgum lugar da África, meu reino perfeito escondido em mim.

Hoje também tinha uma coisa para contar. Na verdade três, mas as palavras não se irmanam com a vontade de escrever. Talvez haja uma música que explique isso mais lá na frente, que encontre em mim a motivação de expor esses fragmentos tão enraizados em mim, que de tão profundos não alcanço ponta para puxar e colocar a luz da razão; sei apenas sentir, por ora.

Fecho este dia, domingo, 6 de junho de 2010, com Yanni e sua Until the last moment. Dia bom, divertido e cheio de esperanças positivas.

Obrigada, meu Deus. Eternamente obrigada por tudo. Amém.

L.

(1), (2) e (3) Dois Barcos, Morena e Sapato Novo – Los Hermanos

domingo, 6 de junho de 2010

Egoísta!

Seria a história contada uma invenção, continuação da realidade ou apenas simples fruto do desejo de que fosse daquela forma?

Escrevi e apaguei esse início de texto pelo menos cinco vezes antes de ter certeza sobre o que e como queria expor os fatos. Fossem apenas fatos, já teria ficado pronto, mas como trato também de sentimentos, preciso ter certeza de que vai ficar bom de reler, de lembrar.

Quis escrever aos berros: em Caps Lock, vermelho e negritado. Quis não escrever e aí corria o risco de contar apenas com a memória que um dia há de falhar. Quase dois dias depois, já tendo tentado algumas e desistido todas as vezes de contar, descobri quase sem querer a música Mulher Elétrica, dos Racionais. Ironicamente, no ano passado enquanto eu me recuperava da cirurgia, era esta mesma música que o ex cantava para a amante. Não preciso dizer que passei a não gostar dela. Pois bem, como nada acontece por acaso, um pen drive fez pouso no meu computador e, indo direto ao fim da história, pulei da cadeira quando ouvi. Quer saber?, pensei, vou ouvir essa merda até o fim, o que tinha que me matar já matou − e eu voltei. A letra é basicamente o traçado do meu perfil. Se fosse mudar algo pra ficar melhor, diria que ao invés de elétrica − essa palavra dá ideia de mulher doida −, prefiro pensar que sou energizada: poder de atrair e repelir, só me segura quem vem protegido, equipado e preparado. Na continuação das músicas, mais Racionais − outra vez eles me ajudando a escrever a história − agora com O Jogo é Hoje. Ouvi bem alto essas duas e o restante das músicas novas do grupo. Finalmente cheguei a certeza do que e como fazer, para mim e quem mais gostar de ouvir boas notícias.

Pensado e repensado, eis então o que me tirou o sono, com sua verdadeira invenção e fantasiosa honestidade.

(Escrevi novamente, por três vezes. Desisto. Não quero contar coisa nenhuma. Era positivo, maravilhoso. Mas deixa, é meu. Não quero mais dividir. Se esquecer, paciência. Embora eu ache quase impossível esquecer aquele frio nas minhas costas nuas... Delicioso é o momento que me pertence.)

“Quer beijar, quer amar, quer se divertir”

“Ela manda, ela pode, ela é quem faz”

“Ela é banto, é nagô, é yorubá”

“Contos de uma festa Black, é a Cinderela high−tec”

“Maquiavélica, me atraiu”

Trechos de Mulher Elétrica, música do momento. E pensando na minha versão energizada...

Ela queria beijar e foi beijada, amou e se divertiu.

Ela não mandou, apenas obedeceu e assim conseguiu o que quis sem fazer esforço.

Ela é Mandinga, ela é Kintê, ela é negra e índia. Ela é brasileira.

Ela é Santa Teresa, ela é Oswaldo Cruz, ela é Piedade, ela é Mangueira.

Crônicas de uma vida black, samba e charme, é a Mademoiselle de Beauvoir.

L.