Acho que mereço uma medalha, uma placa, um busto
em praça pública, sei lá!
Algum tipo de reconhecimento por minha
insuperável capacidade de acolher miseráveis de coração e dar a eles algum
conforto, nem que seja mentirosamente dizer que são as melhores pessoas no
mundo todo.
Não que meus elogios não sejam sinceros, muito
pelo contrário: se a pessoa se sabe péssima e eu insisto que não, é minha veia
santa saltada tentando fazer com que um inseto inútil se perceba gente. Algumas
vezes dou azar e eles acreditam nisso e tornam-se de fato os melhores do mundo:
são ainda mais miseráveis e desprezíveis. Noutras vezes dou sorte: são tão, tão
ruins que por não acreditarem em mim continuam os mesmos lixos e não fazem mais
mal do que já se sabe.
Que tipo de credibilidade tem alguém que bate no
peito em sinal de orgulho por ferir física ou moralmente alguém? Esse tipo de “gente”
espera o que, um beijo, um abraço e parabéns? Fico imaginando os antigos
carrascos dizendo “sou desses, não sei discutir: foice pra cima e cabeça pra
baixo”. E é desse tipo baixo de malandro que eu adoro cuidar. Desse tipo bem,
bem merda que ninguém quer: só eu, rainha da caridade emocional.
Basta a pessoa dizer assim: “eu poderia estar
matando, poderia estar roubando, mas estou aqui, fazendo pior ao infernizar a
vida das pessoas que me rodeiam”, que eu vou lá e me candidato a ser a próxima.
Como se faz com cachorro vira-lata, eu pego na
esquina, dou banho, alimento, dou casa e um local pra dormir. Só que os cães
são agradecidos, os miseráveis não: estão sempre cobrando porque você deveria
fazer mais. E os vira-latas quando bem cuidados não mordem, já os miseráveis
vão com os caninos justamente na ferida que já está aberta, mas não mordem, não
arrancam pedaço: o prazer está apenas em enfiar os dentes e observar o outro
sofrer com a dor lancinante provocada por ver a confiança ser estraçalhada.
O que ameniza essa dor é saber que isso já era
esperado: esse é o tipo de gente que só vem ao mundo para isso mesmo.
E é nesse momento de dor que eu me vejo na
iminência de agir da mesma forma canalha, e teria até uma desculpa, afinal fui
provocada a tal atitude. Mas é isso que me diferencia dessas porcarias
ambulantes: eu penso, eu tenho sentimento e assim como gostaria que fizessem
com os meus, mesmo na hora da dor que cega, não acho que o melhor “castigo”
seja descer tanto a ponto de se nivelar por baixo. Não passo anos estudando pra
isso.
E que venham eles, todos eles! Estou pronta,
canil arrumado, amor e compaixão zerados para receber todos os coitados que,
cansados de suas vidinhas vazias e monocromáticas, me procuram em busca de
alguma luz e compreensão para suas misérias particulares.
Invariavelmente eu os solto de volta no mundo um
pouco melhores (aí voltam pra me agradecer, pedir perdão, dizer que foram uns
merdas — como se eu já não soubesse! —, uns até choram, outros fazem textos,
músicas, e-mails açucarados), e quando vejo, estão lá outra vez cavando outro
buraco pra enterrarem suas mediocridades.
É cíclico: sua pobreza de espírito, minha pena e
acolhimento. São apenas pobres coitados, nada além. E o que seria da minha
própria evolução se não fossem eles? Quem mais me ensinaria a ser forte,
tolerante, paciente e piedosa?
Lucille
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