domingo, 31 de agosto de 2014

Prazeres meus: tratamento

Hoje acordei precisando de tudo, mais do que qualquer outro dia. E tudo é o que posso definir como “o que me faz feliz”. Tudo mesmo. Sabendo que não poderia encontrar tudo ao mesmo tempo, fui atrás de pouco que já representa muito nesse tudo.

Um dia de sol, não muito quente ou abafado. Um dia de sol do tamanho da minha necessidade. Dinheiro suficiente para sair de casa, não para esbanjar, mas que dava para pegar a condução. Uma bermudinha jeans, uma camiseta que deixava a tatuagem a mostra, cabelos ao vento, unhas feitas, corpo perfumado e chinelos Havaianas. Afinal, não há nada mais confortável do que uma superprodução com maquiagem e tudo com Havaianas pra finalizar.




E Santa Teresa, meu amado bairro de Santa Teresa. Largo do Machado, ônibus, curvas intermináveis: Santa Teresa. Aquele cheirinho de mato úmido que só tem em Santa Teresa. Cheiro de casa velha, cheiro de micos pulando pelos cabos de energia, cheiro de fim de tarde, cheiro de paz.

Aquela ladeira, aquela luz morrendo atrás do morro, aquele som de crianças livres brincando pelas vielas e escadas... Meu lugar!

Morro dos Prazeres que você me dá
Quando eu não sair de marola, eu vou te levar
Você dorme cedo e eu só vou deitar
Quando dou o tom da viola pro galo cantar

Meu lugar. Onde estão as melhores histórias da minha vida, especialmente da infância. Não que todas sejam boas, ou felizes, mas enquanto história de vida são as melhores. Lá onde aprendi tanta coisa, inclusive a cultivar uma dignidade que tantos tentariam tirar.
Subindo e revivendo as emoções, sorrindo sozinha.




Não fiz o caminho habitual, mudei a rota sem pensar, mas valeu para aproveitar mais desse meu mundinho perdido (ou fui eu que me perdi?). A primeira parada foi pra observar de longe aquele homem que se movia lentamente em cima da laje, observando o movimento, esticando o pescoço, o corpo ainda inteiro para os seus 55 anos. Meu pai. Lá estava ele em sua eterna obra da casa. Tomei fôlego e terminei de subir as muitas escadas e parei diante do portão de madeira: a chave ainda estava comigo. Ter as chaves daquela casa me dá segurança e enche de confiança: é a minha casa. Ele não sabe o quanto o abraço dele me tranquiliza, tal e qual quando menina, acordava e não encontrava, só cessando o choro quando ele me punha nos braços certificando que meu mundo ainda estava completo.

A segunda parada foi na velha casinha da Vó Maria José, minha Maizé, minha vozinha. Preta bonita de 75 anos, guerreira da qual muito me orgulho, gentileza em pessoa. Lá me aguardava a comidinha boa de sempre e o copinho de cachaça, porque afinal de contas, o dia pedia!



Depois partimos para o Campão, lugar que tem a vista mais magnífica dessa cidade. E lá estava meu padrinho, o homem que sempre se colocou no lugar de meu pai mesmo ele não faltando. Tive sorte nessa parte: madrinha e padrinho foram peças fundamentais no meu desenvolvimento. E ele me beijou e abraçou, me deixou com os olhos marejados ao dizer que não queria nunca me ver sofrendo.

A tarde correu sem que eu percebesse, mas me deixou com uma paz que eu não sentia há meses, muitos meses. Aquela sensação boa de pertencimento, de estar no meio de pessoas que gostam de mim por gostar apenas, sem julgamento, sem cobrança. Minha família.

E como não poderia deixar de ser, os amigos foram a cereja do bolo desse dia incrível. Reencontros, papos, risadas, um pouco de música e fofoca pra aliviar a pressão da vida real.


E o docinho da festa foi a conversa pelo caminho, um papo sério e preocupado, mas ao mesmo tempo cheio de esperança entre mim e meu pai. Meu velho pai. Meu pai é o cara mais zé povo que conheço: fala com todo mundo, conhece todo mundo, até quem não conhece! Já no ponto de ônibus, um rapaz parou ao nosso lado para pedir informação sobre qual ônibus passava em determinado lugar, e até que o ônibus chegasse, meu pai já tinha contato ao rapaz a história do bairro de Santa Teresa. Hahaha Sensacional! Fiquei ali querendo rir da facilidade dele falar, contar histórias, se comunicar com quem quer que fosse, com tanta gentileza. Exatamente o oposto da filha bicho do mato dele.
— Tenho uma coisa pra falar...
— Fala, filha, conta pro pai.

Foi assim que falamos sobre a depressão e muita coisa foi automaticamente explicada. Foi assim que eu me senti protegida outra vez, inclusive de mim mesma. E, finalmente, foi assim que eu levantei a cabeça para olhar firme em direção a luz no fim do túnel.

— Senhora Lucille Nascimento, vamos?
— Vamos, Senhor Nilson Nascimento!

E foi com esse pequeno diálogo que nos deixou rindo um do outro que voltei para casa, que minha entendi que o que faz bem jamais será menor do que o que fez mal. E é a isso que me agarro nesse momento da vida: minha família, meus amigos, meu lugar.


LN

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