Hoje acordei precisando de tudo, mais do
que qualquer outro dia. E tudo é o que posso definir como “o que me faz feliz”.
Tudo mesmo. Sabendo que não poderia encontrar tudo ao mesmo tempo, fui atrás de
pouco que já representa muito nesse tudo.
Um dia de sol, não muito quente ou
abafado. Um dia de sol do tamanho da minha necessidade. Dinheiro suficiente
para sair de casa, não para esbanjar, mas que dava para pegar a condução. Uma
bermudinha jeans, uma camiseta que deixava a tatuagem a mostra, cabelos ao
vento, unhas feitas, corpo perfumado e chinelos Havaianas. Afinal, não há nada
mais confortável do que uma superprodução com maquiagem e tudo com Havaianas
pra finalizar.
E Santa Teresa, meu amado bairro de Santa
Teresa. Largo do Machado, ônibus, curvas intermináveis: Santa Teresa. Aquele
cheirinho de mato úmido que só tem em Santa Teresa. Cheiro de casa velha,
cheiro de micos pulando pelos cabos de energia, cheiro de fim de tarde, cheiro
de paz.
Aquela ladeira, aquela luz morrendo atrás
do morro, aquele som de crianças livres brincando pelas vielas e escadas... Meu
lugar!
Morro dos Prazeres que você me dá
Quando eu não sair de marola, eu vou te
levar
Você dorme cedo e eu só vou deitar
Quando dou o tom da viola pro galo cantar
Meu lugar. Onde estão as melhores
histórias da minha vida, especialmente da infância. Não que todas sejam boas,
ou felizes, mas enquanto história de vida são as melhores. Lá onde aprendi
tanta coisa, inclusive a cultivar uma dignidade que tantos tentariam tirar.
Subindo e revivendo as emoções, sorrindo
sozinha.
Não fiz o caminho habitual, mudei a rota
sem pensar, mas valeu para aproveitar mais desse meu mundinho perdido (ou fui
eu que me perdi?). A primeira parada foi pra observar de longe aquele homem que
se movia lentamente em cima da laje, observando o movimento, esticando o
pescoço, o corpo ainda inteiro para os seus 55 anos. Meu pai. Lá estava ele em
sua eterna obra da casa. Tomei fôlego e terminei de subir as muitas escadas e
parei diante do portão de madeira: a chave ainda estava comigo. Ter as chaves
daquela casa me dá segurança e enche de confiança: é a minha casa. Ele não sabe
o quanto o abraço dele me tranquiliza, tal e qual quando menina, acordava e não
encontrava, só cessando o choro quando ele me punha nos braços certificando que
meu mundo ainda estava completo.
A segunda parada foi na velha casinha da
Vó Maria José, minha Maizé, minha vozinha. Preta bonita de 75 anos, guerreira
da qual muito me orgulho, gentileza em pessoa. Lá me aguardava a comidinha boa
de sempre e o copinho de cachaça, porque afinal de contas, o dia pedia!
Depois partimos para o Campão, lugar que
tem a vista mais magnífica dessa cidade. E lá estava meu padrinho, o homem que
sempre se colocou no lugar de meu pai mesmo ele não faltando. Tive sorte nessa
parte: madrinha e padrinho foram peças fundamentais no meu desenvolvimento. E
ele me beijou e abraçou, me deixou com os olhos marejados ao dizer que não
queria nunca me ver sofrendo.
A tarde correu sem que eu percebesse, mas
me deixou com uma paz que eu não sentia há meses, muitos meses. Aquela sensação
boa de pertencimento, de estar no meio de pessoas que gostam de mim por gostar
apenas, sem julgamento, sem cobrança. Minha família.
E como não poderia deixar de ser, os
amigos foram a cereja do bolo desse dia incrível. Reencontros, papos, risadas,
um pouco de música e fofoca pra aliviar a pressão da vida real.
E o docinho da festa foi a conversa pelo
caminho, um papo sério e preocupado, mas ao mesmo tempo cheio de esperança
entre mim e meu pai. Meu velho pai. Meu pai é o cara mais zé povo que conheço:
fala com todo mundo, conhece todo mundo, até quem não conhece! Já no ponto de
ônibus, um rapaz parou ao nosso lado para pedir informação sobre qual ônibus
passava em determinado lugar, e até que o ônibus chegasse, meu pai já tinha
contato ao rapaz a história do bairro de Santa Teresa. Hahaha Sensacional!
Fiquei ali querendo rir da facilidade dele falar, contar histórias, se
comunicar com quem quer que fosse, com tanta gentileza. Exatamente o oposto da
filha bicho do mato dele.
— Tenho uma coisa pra falar...
— Fala, filha, conta pro pai.
Foi assim que falamos sobre a depressão e
muita coisa foi automaticamente explicada. Foi assim que eu me senti protegida
outra vez, inclusive de mim mesma. E, finalmente, foi assim que eu levantei a
cabeça para olhar firme em direção a luz no fim do túnel.
— Senhora Lucille Nascimento, vamos?
— Vamos, Senhor Nilson Nascimento!
E foi com esse pequeno diálogo que nos
deixou rindo um do outro que voltei para casa, que minha entendi que o que faz
bem jamais será menor do que o que fez mal. E é a isso que me agarro nesse
momento da vida: minha família, meus amigos, meu lugar.
LN
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