quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Lágrimas de felicidade



Parecia chuva, mas eram meus olhos marejados de felicidade.
Parecia Sol, mas era seu sorriso iluminando meu mundo.
Parecia noite, mas eram meus olhos fechados enquanto você me amava.
Parecia dor, mas era aquilo que nasceu e cresceu no meu peito quando você me fez rainha.



E nada havia eu de temer porque você estava ali.

Foi num dia bem claro e quente que eu percebi. Havia o mundo inteiro ao nosso redor, mas de alguma forma eu era o alvo, o objeto a ser alcançado a qualquer custo. Demorei a perceber e aceitar — para quê? —, mas havia algo que fazia com que aqueles olhos amendoados que me seguissem com força quase bruta e acompanhassem qualquer pequeno movimento meu.

Um grande amigo dele que forçosamente se tornou meu, porque precisava construir para ele a ponte que o levaria ao seu objetivo, plantou em mim a sementinha da possibilidade chamada “e se?”. Deixei que germinasse no andar, no olhar, no pensar que finalmente sem voltavam para ele. E ele venceu a si mesmo, atravessou a ponte construída pelo amigo, fitou-me e disse poucas palavras, ainda distante, sem som, apenas lábios que se moviam diante dos meus olhos que, seguramente, queriam mesmo percebê-las, suaves como ordens: “quero falar com você”, rolaram atravessando a rua que nos separava, entre carros e transeuntes, no meio da tarde. Respondi em silêncio, não que precisasse haver uma resposta, mas sem querer o pensamento se manifestou no corpo inteiro me obrigando a balançar a cabeça afirmativamente.

Naquela mesma noite, apesar da imensa vontade, não havia ansiedade. Era certo, e se certo estava não havia porque apressar. Como um barquinho de papel que segue o rio calmo, caminhei pela rua de todos os dias, de tantas noites frias e inquietas, de tantos dias, avançando cada curva em nada preocupada como o que eu teria para mostrar a ele — àquela altura, de tanto observar ele já deveria saber a localização exata de cada sinal meu —, e sim com o que ele teria de especial para prender a minha atenção. Os cabelos estavam soltos, bagunçados, nos lábios apenas um gloss transparente, nada havia de diferente, nada havia que ele já não tivesse reparado. Quando enfim nos vimos tão perto, foi fácil perceber as barreiras caindo uma a uma a cada sorriso. Percorremos um longo pedaço a pé, absorvendo, observando, sentindo, ouvindo. Era assunto que não faltava, era vontade de falar que fazia nascer assunto, era necessidade de estar junto que fazia o assunto render.

Um copo de mate, já não bebemos, pois sobriedade era fundamental no processo de reencontro com o outro. Sim, era tudo muito familiar, mas sem muita explicação, não carecia. E como o fim da noite estava muito mais próximo que nós dois um do outro, tomamos o caminho de casa. Pensei com meus botões se ele não teria perdido a vontade de concluir o percurso pela ponte até mim, o que não me afligiria, mas de todo modo seria estranho. Estava tudo tão bom até ali, não precisava de contato físico, pois o melhor de nós dois já havia sido dado para o outro: o carinho, o bom humor, a cumplicidade.

Era chegada a hora da despedida, chuvinha fina e marota ameaçando cair, frio e vento na rua. Você não quer, nem eu, o que fazer? Não sei de onde veio, não vi como foi. Muito rapidamente havia um corpo de 1,89m a minha frente, dois braços enormes surgiram de algum lugar e sem que eu tivesse tempo de atinar o que estava para ocorrer e oferecer resistência, as mãos grandes seguravam com força meus ombros e me puxavam com precisão para junto do peitoral numa velocidade que me permitiu tempo apenas de entender que lutar contra seria pura perda de tempo e desnecessário esforço: eu estava presa e não havia meio de me desprender daquele envolvimento — como se eu quisesse. Muito mais rapidamente, as mãos que me puxavam e o abraço que me prendia afrouxaram o suficiente para que as mãos passassem para minha nuca em segundos suficientemente longos para que os olhos se cruzassem mais uma vez, como da primeira, e que depois se fechassem finalmente para que os lábios se encontrassem no escuro e no silêncio abafado daquele momento.

Querer é tão terrivelmente bom quando você sabe que a outra pessoa sente o mesmo em igual ou maior intensidade que você...

Os dias que se seguiram não foram normais: havia um sorriso grudado no meu rosto. Não era necessário me conhecer muito pra saber que não se tratava de um beijo, um homem. Era muito maior e além do que se pudesse chamar de paquera, ficante. Era meu Superman, meu Grandão, meu Transformer. Era meu. E eu era nossa, dele e ainda assim minha, mas não poderia ser de mais ninguém: sua Morena, sua Garota, sua Doida, sua Preta. E nunca mais se ouviu falar em lágrimas, a não ser aquelas que rolavam quando a felicidade explodia no peito, quando todo o corpo tremia de um prazer intenso e incontrolável. Nem nunca mais mesmo se ouviu falar em ligação de dois minutos para dizer “oi, tudo bem”, eram conversas de uma hora e meia, duas horas e vinte e cinco minutos... Uma das melhores invenções do homem foi o fone de ouvido. Participávamos do dia a dia um do outro, eu podia ouvi-lo praguejar e soltar palavrões que normalmente não falava, quando algo dava errado, quando alguém o aborrecia, mas como ficava só apenas eu e ele sabíamos de suas explosões. E ele se sentia leve por compartilhar aquele momento comigo em que liberava seu estresse momentâneo. Ele podia me ouvir em ação, dando o melhor de mim e entendia a paixão que eu sinto pelo meu trabalho e por isso foi capaz de respeitar quando eu queria ficar até tarde resolvendo as pendências. E no final da longa jornada ainda havia tempo e paciência para mais uma sessão de “fale-me mais sobre o seu dia”. Era tão bom saber que ele entendia meu amor pelo trabalho!

Os dias eram belos e as noites eram ainda mais especiais com ele. Jogos do Botafogo, ele assustado com meus infindáveis palavrões, gritos e pulos pela casa, sempre com aquela cara de bobo, que depois eu descobri, era admiração por eu ser uma mulher meiga e ao mesmo tempo firme, cada qual no devido momento. Isso se chama equilíbrio emocional, eu deveria ter dito, mas...

Em noites de curso, o telefone tocava no minuto seguinte em que terminava a aula e em algumas vezes era pra perguntar se eu queria que ele fizesse peito de frango pra eu comer quando chegasse. Nessas noites eu não queria nada além daquele abraço longo e apertado, do beijo, do carinho, dos sorrisos, das brincadeiras, do colo, do amor e do suor. Um dia, antes de pegar no sono, esquadrinhando aquele corpo ao meu lado, pensei que dentro dele habitava um ser que me protegia e queria bem, do jeito que eu precisava, não pelo tamanho e forma, mas pela atitude. Nas manhãs seguintes, eu acordava com beijos, abraços, risadas e não se ouvia falar do meu habitual mau humor matutino. Em tardes de sábado eu o deitava e fazia horas de massagem em toda a extensão de seu corpo, com um ambiente silencioso, incensado, musical. Em manhãs de domingo ficávamos deitados no sofá, juntos. Eu jamais teria aceitado até ele me provar que, querendo, sim, era possível ficarmos juntos no sofá apertadinho. Em dias de trabalho, encontrávamos conhecidos no caminho, e ainda sem que ninguém soubesse, trocávamos beijos ligeiramente escondidos. Embora fosse difícil, nos esforçávamos para nos tratarmos o mais naturalmente quanto fosse possível, ainda que nosso casal de amigos mais chegado soubesse de tudo.

O aniversário dele, passamos juntos. Sem festa, apenas nós dois como que ele queria. E o meu aniversário... Foi o dia mais especial do ano todo, porque de fato é também porque ele potencializou tudo que poderia ser bom. Sabendo que o primeiro parabéns deveria ser da minha mãe, ele respeitou e não disse nada meia-noite e nem quando acordei. Na verdade ele não viu quando saí da cama, ansiosa pela ligação dela, desejando secretamente que fosse o primeiro de tantos presentes daquele dia. Quando acabei de falar com ela ao telefone, ele surgiu na sala onde eu estava sentada no sofá chorando, e me deu o segundo presente: beijos, abraços, carinho e uma promessa de que aquele dia seria realmente maravilhoso. Partimos juntos para o trabalho, muitas ligações ao longo do dia e uma previsão de que amigos e ele, inclusive, não almoçariam comigo. Não fiquei tão chateada quanto imaginava, pois procurei aproveitar e entender. Quando saí da empresa, o telefone tocou, ele queria saber se eu já tinha saído, queria confirmar que não me veria. Segui o caminho até o restaurante conversando com ele no telefone e quando passei do meio do caminho ele me disse “essa blusa verde fica linda em você, ainda mais assim caída no ombro esquerdo”. Olhei pro lado: ele sabia qual era a cor porque me viu de manhã, mas como poderia saber sobre qual ombro estava? Ah, mero chute. Papo continuou e ele disse: “teu cabelo tá lindo, ainda mais quando você passa a mão assim nele”. Meu peito se abriu em flor quando olhei para o chão: logo a minha frente, projetada do meu lado, estava a sombra dele que rumava para almoçar comigo. E os amigos que não poderiam ir... Apareceram! Quando chegamos na porta do restaurante, do outro lado da rua, estava um amigo em especial, o único que sabia de nós e quem eu fazia questão que estivesse, que disse que não iria de jeito nenhum. Não sei bem como aconteceu, mas apenas eu e ele ficamos por último no grupo que se encaminhava ao restaurante. E quando eu vi nosso amigo lá, não sabia se era por mim ou acaso até que ele me disse: “atravessa, vai lá falar com ele” e eu como uma menina obediente, mesmo atônita com a pequena surpresa, acatei a “ordem”. Quando me aproximei do carro do meu amigo, notei que estava com o braço pra trás e quando cheguei perto, surgiu um lindo e farto buquê de rosas vermelhas. Tomada por uma alegria indescritível, comecei a dizer “obrigada”, mas ele me cortou: “não agradeça a mim e sim ao meu amigo aqui”, e eu olhei para cima, para o meu Grandão, moreno e risonho, tentando disfarçar o prazer em me surpreender, segurando o riso por conseguir esconder tudo de mim, e agradeci apenas. Não poderia sair mais nada naquele momento, caso contrário eu pularia no pescoço dele e o beijaria a exaustão como fazíamos a sós. Entrei no restaurante vermelha de vergonha e felicidade, carregando meu buquê como um troféu, tendo eles dois atrás de mim: mais uma vez aquela maravilhosa sensação de pertencimento. Eu não tinha cabeça para comer, a fome dera lugar ao prazer, a emoção de ser presenteada não com flores, mas com a vontade de alguém de me fazer feliz. Quando nos acomodamos à mesa, ele sentou na minha frente e para todos do local ele era nada menos que meu amigo também. Num dado momento ele sacou: “ué, menina, você não bebe água?” e eu morta com a ousadia dele em me afrontar. Ele estava mais do que cansado de saber que eu só bebia mate ou suco e queria ver minha reação, queria que eu perdesse o controle e mostrasse pro mundo que a razão daquele sorriso largo era ele. Fui forte e respondi como quem fala com um vizinho. Por dentro eu ria desenfreadamente!
Quando saí do trabalho ele conheceu uma das pessoas mais especiais da minha vida, então ficamos os 4 na mesa, conversando, esperando os amigos para a continuação da comemoração. Meu prazer não tinha mais tamanho. Outro casal de amigos, mais amigos do trabalho e nós dois, que já não precisávamos fingir mais nada, afinal que todos na mesa do restaurante sabiam de nós. Comemos, bebemos, eu gargalhei loucamente dele, de mim, de todos, da vida. Era meu dia! Acomodei minhas rosas no vaso como quem deita um filho no berço, com amor e cuidado, porque aquilo era a materialização do que ele havia me dito em outra ocasião que sentia por mim.

Em um ano e meio após a separação do meu casamento eu não senti por ninguém o que senti por ele. Apesar de tudo que aconteceu depois do meu aniversário, até hoje meu coração sacoleja quando ele se faz presente. Mesmo antes não consigo me recordar de alguém que tenha me feito sonhar acordada nos últimos 8, 9 anos. Em verdade, apenas duas pessoas fizeram isso... E uma foi ele. Não é o tempo de convivência, é a atitude que faz com que a intensidade de cada dia seja marcante. Nunca precisou levantar a voz ou fechar a cara para conseguir o que queria de mim, nunca foi grosseiro, nem mal humorado. Não havia desconfiança, nem ciúme excessivo, mas ele tinha um jeito especial de afastar os desavisados sem abrir nossa história: dizia “essa é minha” com um sorriso lindo que a pessoa nunca sabia se era brincadeira ou sério, então na dúvida era melhor não mexer.

Sinto que Deus cruzou nossos caminhos por diferentes motivos para mim e para ele, mas havia um propósito maior, muito mais forte do que apenas um namoro. Ele me tirou uma mágoa e me devolveu o sorriso, o prazer de gargalhar alto, de sentar com amigos, sendo ele mesmo um desses amigos que participava dos bons e maus momentos comigo.

Sinto também que não consigo colocar um ponto final nesse texto que ora escrevo. Mesmo depois de tanto tempo do nosso fim, não consigo. Mas confio que o melhor está por vir, porque só assim terá valido a pena ter vivido tudo isso.

Lucille
 



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