domingo, 13 de janeiro de 2013

Doce literatura minha



Com atraso de 10 minutos, dentro da normalidade, adentrei a sala já cheia e muito rapidamente enquanto me movia para o fundo, deixei que os olhos percorressem o espaço e me dessem os dados estatísticos: apenas dois negros no meio de cerca de 30 pessoas — um deles era eu.


Aquele curso seria especial: o primeiro no contexto literário, paixão antiga que me move. O primeiro; talvez o único, talvez não. O dia seria uma surpresa completa, mas eu ainda não sabia disso. No entanto, ainda sentia que estava me colocando numa posição de confronto comigo mesma, com minha verdade e minha ilusão: escrever é um desabafo ou um talento? Talvez ambos. Fui em frente.
Na apresentação dos alunos, havia um ator, eu, e um escritor cujo trabalho social na favela havia sido noticiado por todo o mundo. Não dei muita importância ao fato do projeto social em si, apesar de acha-lo digno de reverência, mas o que me chamou atenção nele foi o fato de ser meu vizinho. Quando a turma foi dispensada para o almoço, quis o destino que nos encontrássemos ao acaso numa banca de jornal. Assunto puxado por mim, o papo fluiu por uma hora num almoço rico em descobertas e afinidades. Ele tinha uma humildade bonita, uma doçura que há muito não via num homem. Nos atrasamos no retorno do almoço, o tempo tinha se tornado coadjuvante.
Curso prosseguiu conforme o esperado, talvez melhor. Não sentei perto, não mudei nada de lugar, apenas a vontade apertada no peito de continuar o papo tão agradável até não poder mais. Quando acabou, eu disse “vou ao banheiro”, deixando-o assim livre para ir embora. Ele me respondeu “te espero”, me fazendo sorrir por ficar.
O trajeto até o ponto de ônibus levaria no máximo cinco minutos caminhando. Em quinze ainda estávamos na metade. Em vinte finalmente paramos para continuar aquele encontro que, segundo ele, não era a primeira vez que acontecia. Ainda era uma tarde gostosa de verão: devassa loura pra mim, suco de abacaxi pra ele. Abri o registro dos cotovelos e falei tudo que me vinha a mente, e ele paciente e atentamente me ouvia, qualidade que admiro muito no outro, uma vez que sou eu sempre a que ouve, entende, orienta. Ali eu era aprendiz e isso me fascinava deveras. Em dado momento, minhas mãos estavam seguras entre as dele. Que espécie de homem ainda segura a mão enquanto conversa hoje em dia? Isso é coisa de alma.
A noite caiu e decidimos finalizar o dia de enriquecimento cultural no Oi Futuro, mas àquela hora já estava fechado. Ganhei um abraço, frio percorreu a espinha. Ele tinha certeza de que já me conhecia de algum lugar. Eu sugeri que esse “reencontro” era de outras vidas. A noite já seguia alta quando decidimos ir embora. Na verdade, eu precisaria trabalhar no domingo, então a minha noite não poderia avançar a madrugada. No caminho para casa, novamente minhas mãos entrelaçadas com as dele e olhos que diziam uma infinidade de súplicas sem que as bocas fossem capazes de pronunciar.
Precisava ter um fim, mas estava praticamente impossível determinar qual seria. Parecia um texto muito bem escrito, revisado, mas sem a conclusão que levaria o leitor as lágrimas. O final. Qual poderia ser? Um corte. Não poderia ter fim específico, porque não era romance, era conto. Um delicioso conto sobre duas almas que se reencontram com algum propósito que não se sabe bem qual seja.

Dias depois ele usou a palavra “encantamento”, que pensando agora, bem define aquela tarde e a noite que a seguiu. Apenas aquele início de madrugada morna testemunhou o fim do conto.

Desse reencontro encantado surgiram ideias, outras foram fortalecidas. O mais importante é que vida após vida, de alguma maneira damos um jeito de nos achar e fazer o outro ter algum prazer em estar nesse mundo.

LN


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