segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Do querer e da necessidade



O dia começou numa terrível jornada: cama-banheiro-cama. O dia anterior havia terminado com o Sol entrando pela janela. Sem sono, ela passou a noite fazendo pesquisas, lendo, jogando xadrez. Uma caixa fechada de chá de camomila foi usada na vã tentativa de apressar o sono. De nada adiantou, ele não chegou, ela tampouco queria deitar sem concluir algumas coisas e então foi se deixando levar pelas horas até o corpo pedir arrego. Quando levantou apenas duas horas após se deitar, não teve dúvida: não queria ver nada do mundo exterior, somente de seus sonhos. Cabelo pro alto, pijama velho, celular bem longe, tudo para tornar o momento depressivo especial. Levantava da cama apenas para ir ao banheiro e mais que rapidamente mergulhava entre os lençóis e travesseiros e assim foi da hora que se deitou as 5:30 até a hora que o telefone tocou a primeira vez as 15:35 da tarde.
Olhou uma mensagem no celular e ignorou. Voltou pra cama. Outra mensagem novamente ignorada. No fim das contas, a ligação. Como se tivesse drogada, atendeu com a cara enfiada no travesseiro. Era um grande abuso ele ligar, na verdade era um abuso ele ter ainda o telefone dela. Era um abuso ele existir!
— Tudo bem? — ele queria saber.
— Tudo ótimo.
— Que voz é essa? Você tá bem mesmo?
— Tô na cama ainda. — ela respondia com mau humor querendo exalar.
— E aí, muito trabalho?
— Não, tô de licença médica.
— Caramba! O que houve?
— Pressão alta, mas já tô melhor.
Silêncio. Ele queria assunto, ela queria desligar.
— Posso te ver? Tô passando aqui perto da sua casa.
— Onde?
— Vou aí na sua casa.
— NÃO! — rosnado feroz — Na minha casa, não.
— Tá, tudo bem. Mas queria ver você.
Ela olhou pro relógio: quase 16:00 horas e ela ainda não havia comido nada.
— Ok, ainda não almocei.
— Podemos comer alguma coisa então.
— Tá.
— Já estou aqui na padaria. Vem logo.
Ela desligou e tornou a enterrar o rosto nos travesseiros: ele que esperasse. Cerca de uma hora depois ela se aprontou para sair. Do outro lado da rua ele a aguardava tão bonito quanto da última vez que o vira, mas ela não tencionava ceder.
Seguiram para o restaurante, onde ela se afundou numa tigela de sopa de legumes fumegante. Nada melhor para acompanhar a recuperação. Ou melhor, havia sim: uma caneca de vinho. O humor voltou ao normal, e ele pôde então aproveitar da companhia dela sem levar duas patadas seguidas. Era início de noite quando ele decidiu que seria hora de domar a fera: com toda a delicadeza que lhe era comum, juntou seu rosto ao dela e emendou com um carinhoso beijo, carregado de saudade. Não sabia, mas era tudo que ela precisava.
A chuva precipitou e o cansaço tornou a rondar. Ambos queriam a mesma coisa, mas certamente ele teria de fazer mais força pra que ela cedesse. Normal, e se não fosse assim, não teria graça, seria qualquer uma e não era: ela era especial. Ela finalmente pousou as armas no chão e deixou que ele a abraçasse longamente, de um jeito que só ele sabia pra fazê-la se sentir amada e em paz.
Tirou o chão dela; tirou sua coberta, tirou sua roupa.
Quero você, ele disse.
Ela sabia que o queria também, precisava dele com urgência. Ousou dizer que não, enquanto seu corpo todo se movimentava num delirante sim. Qual o limite entre a dor e o prazer? Não saberiam precisar, mas havia uma linha tênue que sugeria que um minuto a mais de espera cortaria a carne de ambos. Ele seria capaz de olhá-la até o dia seguinte, corpo forte junto ao seu, entorpecido de desejo, pronto para ser possuído e que carregava em si a beleza dessa necessidade. O que a fazia ser tão especial era a facilidade para ser céu e inferno, provocar amor e ódio, arrancar gemido de raiva e de profundo prazer. Ela era tantas numa só e ter aquele corpo outra vez seria como estar com todas elas ao mesmo tempo. Por sua vez, ela sentia que a morte poderia ser bem próxima dali: ele a levaria pelo mar dos aflitos sem que ela percebesse, pois sua vida inteira estava naqueles braços torneados. Seus seios se perdiam facilmente no rosto banhado em suor dele. Suas coxas o recebiam com amor. O peso dele era apenas doce por fora, mas brutal dentro dela. Onde estava o ar? Com um beijo quente e apertado ela o recebeu em uma explosão de cores invisíveis e sons inaudíveis; com um beijo, apenas um beijo, ele sentiu que ela o acompanhava mansamente até que suas unhas finalmente escreveram nas costas dele que o mundo, naquele instante, deixava de existir.

Quando tudo voltou a fazer sentido outra vez... mais uma vez deixou de fazer.
Pausa para aplacar a fome: metade portuguesa, metade frango com cheddar e mate com limão para acompanhar. Tanto riso e tanto papo, como acontecera outras vezes. E novamente os corpos se uniram num canto único, de amor e dor.

Maré calma outra vez, uma meta foi estabelecida para a nova realidade: existe sentimento, forte e impiedoso, seria inútil tentar abafar. Então que seja ele a dar o tom dos próximos dias, que nada mais impeça o florescer dos sorrisos dos que se querem e se escrevem, se descrevem e declamam, poetas da vida que são.

Quando a madrugada caiu pesada, ele se foi. Deixou nela a vontade, levou consigo a saudade. Novamente o telefone tocou as 3:00h. “Minha amiga, minha amante, meu amor.” Desta vez ela sorriu, silenciou no peito o grito de felicidade e o atendeu com a satisfação ardente dos que se sabem irremediavelmente perdidos e encontrados.


Lucille Nascimento

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por vir e por ler!
Fique a vontade para comentar, sua opinião é muito bem-vinda.