domingo, 15 de maio de 2011

Muitas e boas

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.

Lya Luft (1)




O tempo tem escasseado nos últimos meses. Dito assim parece até que estou envolvida em algum projeto grandioso, complexo; não estou. Mente, sentimento e corpo é que não estão se conectando como deveriam, e, sem a organização desse trio, a vida não há mesmo de funcionar como deveria.

A roda da vida não parou de girar, tampouco. Assumo minha culpa de não ligar os fios certos uns nos outros e perder a meada. Tantos acontecimentos, vidas ceifadas, vínculos refeitos, perdas, ganhos. Não consegui parar para registrar, mas o pensamento guardou o que foi importante, coração também ajudou e agora meu corpo decidiu saltar da cama direto para o computador que ora se abre e me oferece seu editor de texto desejoso do meu existir em forma de palavras.


Acordei para trabalhar num dia normal. No caminho passei no laboratório para pegar o resultado dos exames e bem rápido vi a notícia no telejornal: atirador entra em escola e fere crianças. Pensei: mais um caso de bandido fugindo da polícia e usando crianças como escudo. Novamente no caminho para o trabalho, ouvindo no rádio, a situação era bem pior. Mas meu coração masculinizado para o sofrimento alheio, pensou lembrou dos seus e concluiu que Santa Teresa e Nova Iguaçu eram distantes de Realengo e que, portanto, eles estavam bem.

O dia passou, notícias chegando a todo momento, por todos os canais, crianças, alunos, assassinados, drama, choro, mães, pais. Pedi a Deus que confortasse as almas dos meninos e meninas que se foram, mas meu dia continuou. A noite, ao chegar em casa cansada da jornada dupla, liguei a televisão enquanto arrumava o jantar. No jornal, a grande manchete era o assassinato brutal de doze meninos e meninas na Escola Municipal Tasso da Silveira em Realengo, Zona Oeste da cidade. Numa região tradicionalmente conhecida pelo faroeste, por crimes inomináveis, esse seria mais um que em poucos dias entraria para as estatísticas, no máximo.

Quando me sentei para jantar, a menina Jade contava como havia sido a manhã de terror e como havia escapado do atirador. Jade estava séria, não havia em sua expressão sinal de dor, de medo ou de tristeza; Jade estava petrificada, em choque. As palavras saiam de sua boca como numa gravação grotesca, não parecia um ser humano ferido na mente e na alma: era um autômato repetindo as imagens do filme que rodava incessantemente em sua cabeça. Naquele momento, parei para ouvir Jade. Ainda mastigava quando ela disse "ele ia atirando no pé das crianças pra não subirem, ia mandando as crianças virarem pra parede que ele ia atirar nelas. Aí as crianças falavam ‘não atira em mim, não atira em mim, por favor, por favor moço’. Aí ele ia lá e atirava na cabeça das crianças".

Pus o prato de lado, alguma coisa engasgara na minha garganta. Não vi e nem ouvi mais nada: ondas de maremoto subiram estômago, levando tudo que viam pela frente e desembocaram em soluços altos, agudos, doloridos. Deixei minha alma sangrar a perda daquelas vidas, tiradas em segundos que uma bala de ódio atravessara seus caminhos.

Andei pela casa perdida, chorando alto, animal ferido. Doze famílias desfeitas, centenas delas eternamente traumatizadas. Numa escola, logo lá, onde papai e mamãe dizem que é para onde se deve ir para ser alguém na vida.

Quando me refiz, pedi a Deus para confortar o coração de quem havia ficado e de quem havia ido. A dor haverá sempre, o medo também. Mas desejei que houvesse no coração de todos um motivo para não desistir de suas vidas.

Wellington, o atirador, havia desistido de sua vida. Filho adotivo, introspectivo, de aparência soturna, tornara-se um jovem mentalmente doente. Aparentemente calmo, era na verdade uma pessoa fria, tomada pelo ódio e vivendo do desejo de vingança contra os colegas que, na época em que estudara naquela mesma escola, troçavam dele. Sua família adotiva não percebeu que a quietude do adolescente não era normal; era estranho, era assim e pronto. E esse, sim, foi o erro fatal: o principal motivo da morte daquelas doze crianças.

O que matou aquelas crianças, não foi uma arma, bala ou mesmo um rapaz doente: foi a falta de amor, de carinho; inexistência da certeza de que haveria em casa uma base forte e segura que protegesse do mal do mundo. O que mata, o que dilacera, o que destrói: ausência de compreensão.

O crime que chocou país e mundo serviu para dois alertas. O primeiro é que criar um ser humano nunca foi fácil, mas nós da geração Y teremos pela frente um novo desafio: não deixar que a internet faça nosso papel de educadores. E o segundo é que é fácil cobrar um mundo melhor, sem guerra, com saúde, coleta seletiva de lixo, mas não estamos nos preocupando com a qualidade do ser humano que deixaremos pra cuidar deste mundo perfeito que tanto desejamos. Dignidade só se aprende em casa.


Ela é sutil como um elefante.
Será que ela não sabe a vida que eu levo? Ela não sabe com quem eu namoro? Ela não sabe que eu não estou preparada pra isso? Será que ela nem pensa que eu ainda preciso fazer muitas coisas? Talvez ela não saiba que eu ainda não me casei e que isso é imperativo para conceber uma vida.

É, Dra. Isaura é sem dúvida alguma a melhor ginecologista do mundo, mas não sabe nada da minha vida, dos meus medos, das minhas limitações.

Jogar com a sorte, ela me disse. Deus está comigo, sempre estará. Tenho fé e acredito que tudo se ajeitará no momento certo. Trabalho em dupla, valendo ponto ― com consulta ― para a eternidade.


Gosto do que faço. Saio de casa todos os dias com a felicidade de quem vai encontrar o namorado para ir ao cinema. E se algo não funciona nesse sentido... Eu paro também. Não sou assistente administrativo, tampouco sou faz-tudo. Sou Profissional de Recursos Humanos, capacitada e qualificada. Sei meu valor e sei também o quanto ainda tenho que aprender e evoluir, seria hipócrita dizer que estou apta a qualquer trabalho. Tenho de desenvolver mais, estudar muito mais, crescer pessoalmente pra amadurecer profissionalmente. Mas isso não quer dizer que eu deva fazer o trabalho que ninguém quer fazer. Deveria soar como um elogio, certo? Nossa, se eu tenho tantas atribuições é porque confiam em mim e sabem que eu dou conta. Mas e a compensação? Expediente que termina as 22h e começa as 07:30h para exatamente o quê? Eu gosto do que faço, mas não gosto do que me mandam fazer pensando que eu posso porque sou organizada. Não quero. Não sou feliz assim. Trabalho é como sexo: tem de ter prazer pra ser bem realizado.


Eu queria mesmo era ter enfiado a mão na cara dela! rs E na sequencia, na dele também. Eu gosto de gente que não presta e assume, não curto falsidade. Todo mundo erra, todo mundo peca, mas tem uns filhos da puta que gostam de andar com a auréola na cabeça. Não fode!

Vi a Juliana ali, há poucos passos de mim e a primeira batalha foi conter o impulso criminoso de jogar o saco de osso contra a parede, tipo filme de vampiro. rsrs Mas eu sou uma Dorothy pós-moderna: uso saltos de cristal e quando bato um no outro, um solo de guitarra ressoa atrás de mim e cada passo é um estrondo na terra, com a firmeza de um trem-bala e a elegância fria de um jato.

Ele fingiu que não a viu (menos óbvio poderia ser?) e eu o “avisei” de que ela estava ali. Todos os meus músculos estavam retesados, tensionados pela razão. Leoa só caça para alimentar os filhotes, então nesse momento eu havia me tornado um lobo, um tigre, um felino caçador e predador. Eu era a própria onça-pintada, mandíbulas afiadas e pensamento rápido, mordida no crânio para que a presa nem perceba que está sendo atacada. [Tenho que parar de assistir Discovery Channel]

Ela se levantou para cumprimentar o “amigo” e eu com cara de esfinge, sem mover uma célula, deixei-a beijar o vácuo. Dentro, alguma coisa em mim riu dessa atitude, mas fora eu ainda era um felino caçador.

Quando ela tornou a sentar, estupefata com a minha reação (o elemento surpresa funciona muito bem!) eu me pus a falar no ouvido dela. Ele tentou me segurar, a amiga dela tentou se meter, mas... hahaha Primeiro foi o “Não se mete que não estou falando com você”, quase cantado. Em seguida “flor, não seja fofoqueira, coisa feia”, e isso sim, foi um tapinha na testa de leve. rs Mulher fofoqueira me dá urticária. Nem me recordo exatamente o que falei, mas foi a minha melhor mordida no crânio, sem dúvida alguma! Estava sendo... até ela dizer que esteve passeando pela minha área. Putz! Eu fui bem, muitíssimo bem, mas aí o salto de cristal virou chinelo havaiana, tirei as pintas de onça, pus o avental e... perdi a razão. Pior de tudo foi sentir mãos no meu braço. Jamais, nunca, em tempo algum tente segurar uma pessoa em estado de tensão que ainda não explodiu. Ela acaba explodindo no seu colo. Gostei de ter provado pra ela que ela era burra, que não sabia ouvir nem se expressar, gostei de ter estado em cima do saltão de cristal, mas ela me golpeou nas pernas quando disse que tinha “subido os Prazeres pra editar na chuva”. E o mentiroso sendo [mais uma vez] desmascarado. Ele puxando meu braço, ela dizendo isso, a vadia da amiga fofoqueira se metendo novamente... ataquei! “Se atreva a subir naquela porra novamente!”

Droooooogaaaaaaaa!!! Não, cara, não!!! Foram só palavras e ditas até em tom baixo, mas que nem deveriam ter saído. Não fazia parte do plano.

O filho da puta segurando meu braço me inundou de ódio e eu quis sair do local. Na rua, quem estava lá? Tchanam! rs E aí, como eu já sabia que seria, ela saiu correndo com a amiga. Sim, correndo e rindo. Ele me segurava e isso inundava meu peito de raiva: primeiro que eu não gosto de ser segurada pelo braço como criminoso e segundo porque eu não gosto de gente covarde. Não estava indo atrás dela nem nada do tipo, mas ela fugiu.

Onde já se viu quem diz que é filha de Iansã correr? Desde quando Iansã foge de alguma coisa? Foi a primeira vez que vi uma pessoa que se diz de orixá guerreiro fugir. E de forma tão vergonhosa. Tsc tsc tsc...

Uma pessoa dessa mesma religião me disse certa vez que eu, se fosse fiel, seria de Iansã e Oxum, sendo que Iansã viria na frente, peito aberto e disposta a tudo; Oxum também briga, mas se arma de sedução. E vence sem levantar um pentelho da sobrancelha. Do lado de cá, prefiro mesmo a sedução. Sou peituda, não corro, não tenho medinho, não sou fresca. Mas ainda prefiro a inteligência e o sorriso pra dizer “você usa as pessoas para os seus interesses” [eu disse], que nas entrelinhas é o bom e velho vagabunda.

E assim eu fiz.


Descobri e fiquei apavorada. Na mesma hora mandei uma mensagem pra amiga, a fim de dividir a surpresa. Como pode? Logo eu? Lutei tanto contra isso e olha só...
Estarrecida, constatei que eu não sei perder.


“Tô sem freio, tô sem freio!”
Bonde da língua sem freio.
Aos 30 anos não há nada que não se possa falar. Vergonha, medo, tudo isso acaba. Sou mais sincera e extremamente honesta comigo mesma. Se quero, faço. Se quero muito, corro atrás. Se não quero... rs


L.


(1) Extraído do livro “Perdas & Ganhos”, Editora Record – Rio de Janeiro, 2003, pág. 12.

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