quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O fim de uma jornada - parte III

Duas semanas depois de eu já estar com as ideias caminhando em ritmo acelerado, duas colegas pediram para se juntar a mim, pois não havia professor orientador para todos os alunos e eu já tinha a minha orientadora desde as férias. A monografia se tornaria então um trabalho de conclusão de curso em grupo. Não apenas concordei como pisei no freio para que elas pudessem me acompanhar. Dentro do meu planejamento essa foi a primeira decisão errada. Na verdade só deu errado porque eu podia e me dispunha a fazer sacrifícios para que o trabalho ficasse bom, mas minhas colegas tinham compromissos nos fins de semana e demais horários livres que nos impediam de trilhar o mesmo caminho. No início, isso apenas me incomodou, mas pensei que com elas ou sem elas eu teria de fazer, então não iria me aborrecer. Fui até onde deu. Ameacei me desvencilhar do grupo uma vez. Conversei, expliquei meu lado e fui bem clara ao afirmar que não esperava que ninguém saísse do trabalho e virasse as madrugadas como eu, mas cada uma deveria fazer o máximo que pudesse no horário disponível de acordo com seu ritmo de vida. Por ser menos Administradora do que eu deveria ser, concordei em continuar com elas quando me garantiram que fariam o melhor de pudessem dali em diante. Essa foi a segunda decisão errada.

No início do mês de novembro, nós tínhamos quase 30 páginas de um trabalho que deveria que ter no mínimo 40 e já estar com a entrevista de campo em andamento. Destas 30 páginas, 3 eram de material enviado por uma colega e 1 era material de outra, ou seja, eu havia aprontado 26 páginas de introdução e desenvolvimento sozinha. Num dia após a orientação em que, novamente, não havia material novo para ser apresentado por elas, a situação ficou pesada ao perceberem que eu estava caminhando independente delas. Não havia estresse, nem brigas, eu apenas sabia que tinha um grande trabalho a ser feito e iria fazê-lo com ou sem elas. Marcamos um encontro na biblioteca, eu fui e fiquei aguardando as outras duas que não apareceram. Ou melhor, apenas uma apareceu, mas não se juntou a mim. No dia seguinte, a que apareceu mandou um e-mail quilométrico com todas as suas queixas. Ao ler aquilo, minha vontade foi de responder com um direto e singelo FODA-SE!
Você não fez porra nenhuma, me mandou um texto que é cópia de livro da biblioteca da faculdade e quer cantar de galo pra quem? Sai da faculdade todo dia e vai pra casa fazer janta pro seu marido, não pode fazer nada na sexta e no sábado por causa da sua religião e emenda o domingo e continua não fazendo nada e acha mesmo que pode mandar e-mail pra alguém que está fazendo a SUA monografia sem te cobrar nada? NÃO FODE, GAROTA!
Mas minha nova condição me dizia que eu não devia agir por impulso, já que nesses anos todos de nada adiantou agir sem refletir nas consequências. Fechei e abri o e-mail umas três vezes, queria responder e desistia. Por fim, liguei para ela para contestar cada parte que considerava altamente desnecessária e ofensiva. Tentei não ser grossa, porém fui bastante incisiva e deixei bem claro que tinha ficado bastante irritada com aquele e-mail sem propósito.
— Você questionou o fato de que eu não te dava atenção quando você queria falar algo. Oras, nós estamos juntas há três meses, como eu não te ouço? Quando foi que você quis expor alguma coisa e eu demonstrei não ter interesse ou falei que não poderia ouvir? Quando?
__ Ah, naquela última noite, nós estávamos saindo da faculdade, e eu tentando falar da empresa do meu amigo que talvez desse pra fazer a entrevista lá e você andando na frente. Aí eu fiquei com raiva mesmo e não quis falar mais nada.
— Passamos a noite inteira na sala, um bom tempo esperando o professor chegar em sala, porque não falou antes? Por que deixar para a hora da saída sem ao menos perguntar se teríamos algo para fazer depois da aula?
— Esqueci...
— Hum... E por acaso você ouviu o que eu falei enquanto saíamos do portão da faculdade?
— Não me lembro.
— Vou te ajudar: eu falei que eu não poderia demorar, tinha que correr pra pegar meu último ônibus que sairia às 22 horas.
— Ah, mas eu também iria perder o último ônibus e nem por isso saí correndo e deixei vocês falando sozinhas.
— A diferença é que você perdendo o último ônibus no Passeio, poderia pegar o metrô e pegar outros ônibus na Central. Eu, como só tinha o RioCard, se perdesse o último ônibus não tinha nenhum outro lugar que eu pudesse pegar outro. Quando saio daqui tarde, subo de Kombi e pago em dinheiro, mas naquela noite eu não tinha 2,00 na carteira pra isso.
— ... Então foi um grande mal entendido...

Quando ouvi aquelas palavras, meu sentimento ia de ódio mortal a intenso prazer. Aquela imbecil do outro lado da linha escreveu meia dúzia de besteiras como se estivesse com toda a razão do mundo e sequer parou pra analisar o que poderia ter acontecido. Minha satisfação nisso foi o fato de que, analisar pessoas e circunstancias é princípio básico para um profissional de RH, e quando percebo que os outros a minha volta não conseguem fazer isso, vejo que no mercado de trabalho não tenho concorrentes.
Quatro dias depois nos encontramos pessoalmente, mas antes disso eu não consegui me conter e respondi ao e-mail. Parágrafo por parágrafo, linha a linha, ideia a ideia. Como não sucumbi ao calor do momento, ao responder já estava analisando a luz da razão sem deixar a emoção estragar tudo. Então quando nos encontramos eu estava leve e elas pesadas, porque quando eu bato com calma dói muito mais. Eu e meu cordial sorriso chegamos deliberadamente com uma hora de atraso na biblioteca. Uma chegou dez minutos depois e a que chegou mais cedo, estava lá a menos de trinta minutos. Este foi o pior dos encontros. Meu sorriso sumiu quando eu me vi sendo atacada por duas pessoas que levaram dois dias para responder um e-mail apenas para dizer o nome completo de ambas. Tudo o que eu nunca havia exposto, joguei na mesa naquele momento: todos os e-mails não respondidos, todos os encontros marcados e que sempre havia um compromisso anterior, o único material enviado, a falta de comprometimento com os prazos que eu estava cumprindo sozinha e com o qual todas estavam ganhando nota. Apesar de ter sentido muita raiva antes, nunca havia sido desrespeitosa e nem descortez. Neste dia eu fui, com todo o direito que tinha por ser responsável pela nota 10 que todas tinham ganho as custas das minhas noites em claro.
— Você deve pensar que nós não estamos fazendo nada, mas todo dia a gente pesquisa alguma coisa. Só que a ainda não mandamos porque está difícil de encontrar material sobre qualidade de vida. Mas só que vc, não sei, vc não dá abertura, não conversa com a gente sobre nada, entra na sala e fica na sua, não dá boa noite, não fala sobre outras coisas, calada entra e calada sai. Aí fica difícil de a gente conversar sobre o trabalho e...
— Desculpa, desculpa. Deixa eu te interromper só um pouco. Me desculpa mesmo, eu não gosto de interromper as pessoas, não é do meu feitio e eu acho isso chato, mas eu preciso te interromper agora. Desculpa... mas se eu não te interromper, vou mandar você SE FUDER... e eu não quero te faltar com o respeito.

Saí da biblioteca naquela noite com o corpo trêmulo de satisfação. Se ela fosse um pouquinho só esperta e soubesse ler nas entrelinhas... E eu nem precisei fazer o barraco clássico com a perda irreversível da razão.

Na noite seguinte eu disse a elas que estávamos nos separando a partir daquele dia. Não havia motivo para continuarmos uma relação que não estava dando certo, não estava fluindo e nem sendo boa para nenhuma de nós. Elas aceitaram numa boa também, parecia que estávamos no mesmo clima do dia em que combinamos de nos reunir. Não pude deixar de notar que sobre a mesa estava impresso todo o material que eu havia enviado a elas em todos esses meses. No final é que resolveram dar atenção ao trabalho, mas aí o amor já havia acabado.








(Continua...)




L.

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