sexta-feira, 30 de julho de 2010

Máquina de fazer gente melhor

O sinal bateu e começamos a nos despedir. Beijos, bênçãos e um abraço apertado. Um nó na garganta. Ele subiu e no curto espaço entre mim e a porta da escola, se virou para acenar duas vezes. Na última, vi seu rostinho redondo sumir dentro do prédio que um dia já me abrigara também. Novamente o nó. Por que sempre me sinto assim quando ele entra?, me questionei enquanto aguardava mais alguns minutos até ter certeza de que ele estaria bem lá dentro (ou será que era apenas saudade?). Fiquei olhando as mães, pais e quem sabe até outras tias que levavam suas crianças e que provavelmente não se sentiam assim tentando entender o que me afligia. Caminhando de volta, manhã fria e enevoada, refiz também meus passos de 24 anos atrás para tentar achar o motivo que me aperta o peito quando o vejo se misturar as outras pequenas cabeças no pátio da escola.

Liberdade. Foi essa a palavra que me veio a mente. Cada vez que ele entra naquela escola, um novo mundo se abre, uma nova vida se apresenta em forma de conhecimento. Cada vez que ele sai, é uma pessoa com um pouco mais de poder nas mãos, embora ainda não saiba disso. Cada dia é uma nova oportunidade de ser melhor. E, pronto, entendi porque levá-lo na escola me dá prazer e orgulho, ao mesmo tempo em que vê-lo entrar me angustia: no fundo sei que é lá que terá o conhecimento para ser absolutamente livre. Enquanto subíamos a ladeira, apertei aquela mãozinha entre a minha, mas que não tardará a não caber mais. Assim como percebi que a libertação só pode vir do conhecimento, me resignei com o pensamento de que um dia ele não precisará mais ser levado a escola e muito menos de mãos dadas, porque será livre e isso significará ser dono de si e de seus caminhos. Como eu sou. E eu poderia ficar triste, mas apenas peço a Deus que guie os passos dele, para que a vida siga seu curso natural e que tudo aconteça no momento certo.

Um dia desses ele ficava grudado no meu joelho. Hoje já me abraça acima da cintura. E outro dia, quando a voz engrossar e a altura ultrapassar a minha, desejo que a caminhada tenha sido boa e que eu possa continuar participando dela, ainda que isso continue significando acordar de madrugada sem cobertor.

Certa vez uma senhora muito sábia me disse que filhos criamos para o mundo, não para nós. Conversando noite passada com alguém que ainda terá o(s) seu(s) [valha-me Deus!], chegamos a conclusão de que engravidar, parir, criar financeiramente, tudo isso é muito fácil diante da tarefa de educar. Eu gosto e eu quero são expressões que sempre acompanham esse tipo de conversa, mas o que dizer quando se fala em educar, em formar efetivamente outro ser humano?

A vizinha gritava com a filha: “Se apanhar na rua, vai apanhar de novo em casa!” O que se faz nessa hora? Qual a melhor atitude? Ensinar a dar a outra face, a revidar a altura ou a não deixar barato um ato de violência? Realmente, fraldas custam muito pouco diante dessa dúvida.

Por vezes me brotam pensamentos assim, dispersos, desconectos. Lembro de uma tarefa, invento outra, suspiro, sinto saudade, quero escrever. Quando acabo, seco o rosto úmido de um líquido chamado amor.

L.

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