sexta-feira, 28 de maio de 2010

Série Triunfo - Três é o ideal

Primeiro notei a surpresa, depois senti o cheiro do medo. Com o tempo e a experiência aprendi a reconhecer nos outros o que eu sentia também. E ele estava com medo, talvez por não entender como uma pessoa vai embora e depois volta achando que vai encontrar tudo igual como deixou. Não encontrei e muito menos eu estava da mesma forma de quando fui embora.

Decidimos que não era momento e nem meio de se ter aquele tipo de conversa. Havia muitos porquês, causas e conseqüências a serem ponderadas. Assim como há muitos anos, o almoço seria o momento de olhar nos olhos e ter certeza de que ainda cabia o pedido e a doação do perdão. Para ambos os lados. E como a vida dá muitas voltas, refizemos a rota de colisão e transferimos para outro momento a fim de ter mais tempo do que apenas uma hora, porém de comum acordo, como nos bons e velhos tempos, sem imposição, cobrança ou qualquer outro tipo de negatividade. E como havia assunto... A ansiedade é tônico do meu viver, então diante daquele pavor completo do outro lado da linha, tive de usar psicologia infantil para explicar que não iria doer nada, era só uma gotinha sub-lingual. Não era um convite para uma noite fabulosa de sexo selvagem, tampouco um pedido desesperado de casamento. Para cada ação, uma reação. Como eu já imaginava, a mágoa estava bem enraizada e não seria fácil. Nada fácil. Nesse meio tempo ouvi verdades com as quais fui obrigada a concordar. Novamente, ao dar o braço a torcer sobre meus erros tão naturalmente humanos, senti-me imediatamente mais leve e mais viva. Além de ser honesta com o outro, muito mais importante era ser comigo mesma.

Sabia que diferentemente de mim, que vivia um período de certezas, ele estava em meio a um turbilhão de dúvidas, muito mais do que quando eu saí de cena. Estava, digamos, com trabalho dobrado e não havia uma terceira pessoa para dizer que estava bom ou ruim, frio ou quente, ele simplesmente teve de se virar sozinho. Notei que seus olhos estavam frios e duros, mas não pude divisar se era fruto da mágoa ou do conturbado momento ou ainda do tempo de amadurecimento e todas as mudanças que este trouxe. Será que eu tenho esse olhar também?, pensei enquanto retocava a maquiagem. Não... Apesar de tanto sofrimento, ainda existe por trás dos olhos castanhos o brilho da esperança na evolução do ser humano e da confiança no amanhã. E aquele rabo de cavalo cacheado e esvoaçante confirmava que mais que nunca o momento era de recomeçar.

Tive outro medo naquela noite: da perda ter sido definitiva. Será que tudo o que foi vivido foi esquecido? Lembrei-me da risada ao telefone e me agarrei a esperança de que ele não tivesse perdido a si mesmo pelo caminho. Não, o meu medo não era de tê-lo perdido, mas de que ele tivesse se esquecido do quão positivo ele era e que essa era sua diferença para os demais, o que garantia minha fidelidade canina. Como ele mesmo costumava dizer, somente ele tinha o meu manual de funcionamento. E o pior é que era verdade. Resolvi então dar-lhe o tempo necessário para digerir a idéia de que até as mulheres perfeitas como eu são passíveis de erro, e se até mesmo eu consegui rever meus conceitos a respeito de mim, então ele também poderia aceitar isso. E compreender, o que não esperava que fosse a jato. Afinal, o amor deixa livre, pois se o sentimento for recíproco, haja o que houver, sempre haverá volta.

Ao me deitar, feliz por tudo do dia, da semana e da vida, entendi que a minha fé na evolução do ser humano tinha nascente justamente no fato de eu ter percebido a minha própria evolução. Se eu era capaz de admitir e ter atitude para refazer o que quer que fosse, então é sinal de que bastava apenas querer e tentar para fazer um caminhar melhor para si e para quem estiver ao redor.

Estava com as rédeas na mão outra vez. Não era mais caçadora de mim, como na música que eu tanto gosto de Milton Nascimento. Não era mais minha algoz e nem minha vítima. Era minha heroína, minha bandida, minha Rosa Parks, minha Maria Bonita, minha fada Sininho, minha princesa Fiona, minha Dona, como na música do grupo Roupa Nova. Decisões tomadas com razão e sentimento, cada qual com igual proporção, equilibrando as reações internas, sem vingança, sem buraco no peito e muito mais importante: sem medo. Orgulhosa e contente adormeci um sono leve, satisfeita, querendo mais no dia seguinte e agradecendo a Deus por tantas oportunidades e por lembrar de finalmente aproveitá-las.

Outra vez escritora, atriz e diretora. Estreando na Produção.

L.

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