segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O coração cura o corpo - parte 3

Fiquei aguardando no corredor, ao lado da entrada da sala, enquanto a paciente anterior era finalizada. Da mesma idade e com nada menos que sete miomas, a operação dela levou muito mais tempo do que o previsto, quase quatro horas. Pensei nela também. Será que já seria mãe? Ou será que estava se dando a esse penoso trabalho pelo mesmo motivo que eu? Deitada ali, vendo e ouvindo o mundo se movimentar, conversei com Deus enquanto esperava a que seria a hora mais importante. Analisei a caminhada, e me orgulhei de muito mais coisas do que me arrependi. Aliás, arrependimento verdadeiro, apenas um...

Fui retirada das divagações com o solavanco da maca entrando na sala de cirurgia. Aquele azul claro bonito dava a impressão de que haveria tudo ali, menos uma miomectomia. Especialmente em mim. O tratamento da anestesiologista Dra. Gisella só contribuiu para que eu fosse a melhor paciente do hospital. A cada passo eu era avisada sobre o que estava acontecendo. Tensa, me mantive em silêncio, absorvendo tudo com o olhar e coração. Sabendo previamente que aquela mulher seria a peça chave da cirurgia e que, friamente falando, minha vida estaria nas mãos dela, vi que estávamos então no momento crítico quando ela me mandou virar de lado, encostar queixo no peito e joelho na cabeça. Obediente, me coloquei em posição fetal, rezando pelo momento de dormir e não sentir nem ver mais nada. A primeira agulhada. A segunda com mais vontade. A terceira e... “vira rápido!” Quando me pus de volta a posição inicial, as pernas já não eram mais minhas e em mais outros segundos, nem os quadris me pertenciam mais. Vi que me levantaram, dobraram e eu sequer podia sentir. Lutei muito para me comportar, como me recomendou minha mãe e por saber que a minha luta seria recompensada com menos tempo ali e a garantia de sucesso.

Finalmente, olhei para as luzes acima de mim e elas começaram a se mover. Pisquei e olhei de novo, as luzes estavam agora dançando. E em seguida, tudo virou nada.

Lá embaixo, a leoa andava de um lado para outro do quarto. Lia, cochilava, via TV. Rezava e pensava. Muito mais tensa do que parecia, ela não via a hora de ver sua cria de volta e ter certeza de que estava tudo bem.

Levou mais ou menos dois segundos? Talvez. Vi todos saindo da sala e eu ficando. Acabou?, perguntei ainda sonolenta e sem noção do meu corpo. Havia acabado e tudo tinha corrido perfeitamente bem. Mas, psiu, não podia falar ainda. Em uma hora e meia, não só meu corpo havia sido mexido, como minha cabeça e valores. Apesar de lúcida e consciente, existem lacunas no tempo entre a volta pro quarto e o final do dia vitorioso. Eu estava de volta e melhor.

De volta ao quarto, segundo me contaram, entrei com os olhos buscando algo. Alguém. Alívio ao vê-la ali, em mostrar que sim, eu estava bem. Novamente um hiato. Um cansaço descomunal, uma fome maior ainda. Não podia falar, mas queria muito. Não vi o mioma, mas quem viu disse que era uma laranja marrom. A barriga, estranhamente, doía a cada respiração. O fim da anestesia, que deveria ter sido uma tragédia, com dor e coceira, foi nada menos que um leve incomodo na ponta do nariz. Outra vitória.

Com a recomendação médica de levantar após seis horas e já me sentindo ótima, sem anestesia e sem fome, forte e bela, apenas com a dor na barriga, resolvi sair da cama. Antes dos primeiros raios de Sol do novo dia e já sem sonda, levantei da cama e, não tendo resposta as minhas chamadas do meu acompanhante desmaiado, segui pé ante pé para o banheiro. Segui meio cambaleante e meio firme, porém, na porta senti alguma coisa errada. Entrei e vi o banheiro rodar. Alguma coisa estava muito errada. Sentei no vaso e respirei bem fundo, mas aquele cheiro insuportável de desinfetante de banheiro não ajudou muito. Voltei para o quarto, vencendo os invisíveis obstáculos a minha frente, temendo uma queda. Consegui alcançar a cama, deitei e fiquei bem quieta, tentando recuperar o ritmo normal da respiração e para que passasse a ânsia de vômito intensa. Dormi outra vez e acordei para o café logo depois. Café e banho! Nunca gostei tanto da ideia. Mas novamente fui traída pela pressão. Depois do banho precariamente de pé, como um Homo sapiens, vi novamente o mundo jogar como um navio em tempestade e desta vez o impulso gástrico foi mais forte e quando me dei conta, já não havia mais café da manhã no estômago. Ficou apenas a dor pela contração dos músculos abominais, que pareciam terem sido os verdadeiros operados.

Decidi ficar preguiçando na cama, para não correr o risco de outra queda de pressão. Péssima ideia que me custou caro. Não tive alta devido a preguiça no funcionamento do intestino. Correndo o risco de ter de passar o Natal internada, vi-me como Rocky Balboa, teria de lutar e treinar pesado para chegar onde queria: minha casa. Com a música na cabeça, deixei minha mãe me “vestir” com o lençol a fim de cobrir o que a fina bata aberta nas costas deixava a mostra, e, de braços dados, lá fomos nós corredor a fora. O objetivo maior? Fazer cocô para carimbar o passaporte de volta pra casa e passar o Natal em família.

Quando cheguei ao final do corredor, o suor frio me assaltou. A médica que acompanhou o grande progresso perguntou se estava tudo bem. Estar, não estava, mas correndo o risco de passar o Natal ali, balancei a cabeça afirmativamente: tudo estava ótimo. A cada passo eu mentalizava a reação do meu corpo, agarrada ao braço da minha mãe, caminhava rumo a minha libertação. E deu certo. Com mais uma caminhada em menos de quatro horas, tudo estava resolvido e no seu devido lugar. Bom, não completamente, mas a volta estava garantida e em casa eu me acertaria com o senhor intestino que, definitivamente, estava disposto a dificultar as coisas.

O que ele não sabia é que em matéria de teimosia, eu sempre fui mais eu. Agora mais que nunca, concentrada em teimar em ficar boa logo.

Continua...

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