domingo, 8 de novembro de 2009

No tempo certo - parte 1

Quando o Sol do último dia de descanso começa a baixar, é hora de refletir, analisar todos os passos e concluir: faltam apenas cinco dias para o próximo fim de semana. :-D

Depois de uma semana cretina, a sexta-feira chegou quente, no bom sentido e no assustador também. Há anos não usava o vestido amarelo-mostarda. Comprei-o para usar numa festa de outra religião e, fatos contados, desisti de usá-lo. Quando acordei naquela manhã super ensolarada, com menos veneno a escorrer pelo canto da boca, passei-o pela cabeça e deixei que escorregasse pelo corpo tão diferente daquela época. Ficou bom. Eu estava bem, então tudo ficaria bom em mim e comigo.

Depois do almoço uma surpresa desagradável, porém, como pra tudo há uma explicação divina, lá fui eu, destemida e com as armas de Jorge. E como diria Marcelo Camelo, do Los Hermanos, todo carnaval tem seu fim. E essa farra, essa festa do povo pode até continuar, mas daqui pra frente sem o meu patrocínio.

Já bem tarde, retornando pra casa, pensei em como é grande a mutabilidade do ser humano. Sorri para o vidro da janela, enquanto as ruas passavam por mim correndo e eu desejando que todos os meus amores estivessem tão felizes quanto eu naquele momento.

O sábado foi especial, do momento em que abri os olhos, até o exato segundo em que tornei a fechá-los novamente, já no domingo. Rotina dura, puxada e estressante de uma dona de casa moderna: depilação, cabelo, unhas, compras... Ufa! Ainda bem que esta mulher moderna é esperta pra não deixar tudo pro último momento, então, só restava fazer e cabelo e modelar pelo calçadão de Ipanema, tão feliz e serena como há muitos meses não ficava. E quando a noite caiu, tudo de perfeito do dia começou a desmoronar. Irritação grau máximo, alerta vermelho piscando. [O que é o metrô lotado? O que são vascaínos e flamenguistas? O que são os moradores do Jacarezinho voltando da praia? O que é isso tudo junto no mesmo vagão que eu??? Para o mundo que eu quero descer!!!] Não deixei a minha Madame Zonal Sul se apossar do meu corpo, rezei um Pai Nosso, peguei na mão de Deus com fé e fui! Mas boa parte da serenidade do dia todo já tinha ido pelo ralo e foi inevitável o momento do desabafo, aquele em que nada e nem ninguém presta. Depois que cuspi todos os marimbondos, parei e levei um susto: como resposta, recebi um sorriso, benevolente e compreensivo, seguido por um abraço daqueles que deixam uma pessoa perdida no deserto do Saara, sem pai nem mãe. A irritação, porém, não passou tão facilmente. Nem com o passeio e nem quase um litro daquele suco de laranja perfeito. O pensamento foi longe. Final do ano passado, eu descobri que havia uma lanchonete que vendia suco de 700 ml. Tornou-se hábito pra driblar a tristeza de todo sábado pela manhã, passar por lá e sentir um pouco de prazer com este pequeno gesto. Apenas um suco e alguns minutos longe daquela mágoa gigante e bem viva. Como que recebendo um soco na boca do estômago, voltei a realidade com violência. Algo em mim puxou de volta os esforços da mente para o que estava acontecendo naquele momento e que era o exato oposto daqueles tempos tristes. Um beijo leve no ombro foi o meu modo de dizer ok, estou de volta e o que vier será melhor.

A calma começou a reinar quando senti a pressão na mão direita. Impossível não entender de que lado estava a força. E eu ri. Menina irremediavelmente mimada, bicuda e mal criada, fui obrigada a admitir ao mesmo tempo em que não oferecia resistência em ser arrastada pelo caminho como uma boneca de pano, uma boneca linda, cor de mel, sendo levada tão firme quanto carinhosamente. O que não se sabia era que a boneca de pano, quando virada de cabeça pra baixo e sem o avental cor de rosa, os olhinhos de santa e os cachos de mariquinha, se transformava em Barbie. Barbie Surfistinha.

Há muitas e muitas luas atrás, fui quase proibida de ir aos lugares em que eu me divertia tanto a ponto de esquecer os problemas. Esses lugares acabaram se tornando nascedouro de mais problemas, e não devia ser assim. E agora, escrava liberta, aproveitando cada minuto em paz, deixei o corpo correr e saracotear por onde quisesse, cheia de um amor novo e muito forte, tão forte que chegava doer: o amor pela liberdade.

E eu dancei, e ri, e dancei mais, tão mais que derretia em cascatas de suor. E me fiz em várias novamente: atriz e dançarina. Vi as mãos estendidas para mim, relutei em dar as minhas, mas aquiesci. Dei as mãos e perdi o ponto de apoio no chão. Fui rodopiada por uma vida, esqueci onde estava, perdi a noção do meu corpo no tempo e no espaço. Quando parei, me afastei pra organizar as idéias. O peito subia e descia em ritmo alucinado, o suor me banhava e eu tentava entender aquelas horas perfeitas sem sentir receio pelo fim delas. E quando de fato a noite pensou em se fazer dia, sentei-me com a estatueta do Oscar nas mãos e lembrei de quando estava ali naquele mesmo lugar e meu coração caía do peito, desfeito em pedaços. Mas não foram pedaços miúdos demais. Todos os dias eu voltava lá e catava um pedaço. Um dia o gari limpou a rua e varreu todos os pedaços faltantes. E eu fui ao lixo, bem no fundo da sujeira e da porcaria, mas consegui resgatar e finalmente remontei meu coração. Hoje ele bate em ritmo cadenciado, tranquilo. Acabou a afobação, o medo e mais que tudo: acabou a tristeza. E após lembrar disso, vi um gatinho passar correndo pela rua. Um cachorro dormia frouxamente no meio da calçada. E eu sorri, um sorriso lascivo e terno enquanto o coração enchia de vida o restante do corpo.

Subi a escadaria num fôlego só, ainda agitada e pensativa. A água descia pelo corpo e de olhos fechados eu revivia cada detalhe desse memorável e divertido dia.

Quando os braços fortes da cama me enredaram, disse em voz alta, tão alta quanto me permitia o sono: “eu consegui”.

Tudo fica bem, quando tudo realmente está no seu devido lugar. E eu pus. Consegui.

L.

Um comentário:

Ray disse...

parabéns, Lucille! Se está em paz consigo mesma e o que realmente importa... E a cirurgia, já fez? deu tudo certo? Espero que sim...

Um bjo, Ray.

Postar um comentário

Obrigada por vir e por ler!
Fique a vontade para comentar, sua opinião é muito bem-vinda.