terça-feira, 15 de setembro de 2009

Quando menos é mais

Ficar doente é algo realmente bacana. É quando todos ao seu redor percebem a pessoa frágil que você é, mesmo quando você continua insistindo em bancar a Super Forte, e te carregam no colo, nas costas, fazem um cafuné e a doença propriamente dita, acaba por perder o sentido.

Com todas essas novidades de mioma, cisto e tudo o mais, esqueci de mencionar que nos momentos em que escrevia os posts anteriores, ardia em febre. Não parecia, eu sei.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas da roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama o coração.

Fernando Pessoa

Seguindo essa lógica, passei o dia a escrever, pensar, ajustar, enrugar a testa e reler o texto, com nada menos que 38º de febre. As madrugadas foram cruéis, com picos de 39º. E eu lá me importava com isso? Sábado saí, crente que estava com 18 aninhos, cheia de gás pra curtir o baile da Furacão. Hunf! Tá bom... No mesmo pé que fui, voltei. Calafrios me sacudiam o corpo enquanto voltava com o peso dos 29 anos pra casa. Bom, pelo menos deu pra ir ao teatro. A noite foi boa, apesar de tudo.

E o domingo, bom, no domingo ela saiu de casa na hora em que eu cheguei. Antes me deu uma colher de mel. Quando voltou, carregada de todas as frutas que contém vitamina C, outra colher de mel. E peixe. Come laranja! Já comeu a melancia? Agora bebe o suco. De que? Bebe!

Quando fui embora, já bem tarde, ela se preparava pra dormir. Antes que eu terminasse de dizer tchau, ela disse “leva laranja”. :-) E foi assim que passei o dia me enchendo de comida saudável, bebida e um amor materno mais perfeito de todo o universo. Eu sou mimada e sou feliz! :-D

Como não poderia deixar de ser, notícia ruim nunca anda sozinha, só em bando. Logo, estava eu em plena segunda-feira na emergência do hospital, onde passei a tarde toda. Exames de sangue e raio-x depois, a médica fechou a porta pra me dizer o que eu tinha. (Toda vez que alguém fecha a porta pra dizer algo é que vem merda. Ou vem ou já foi. Quando eu fechei a porta pra comunicar ao meu avô que meu namorado queria ir pedir pra namorar comigo em casa, foi pra ocultar a fuga do meliante, que já freqüentava a casa há algum tempo.) Bom, então quando a médica fechou a porta eu esperei pelo pior. Mas na verdade, são piores. Antecipadamente descobri pelo raio-x que as malditas células de Haller continuam no nariz, mas isso é problema pra outro dia. E depois, a infecção nas vias respiratórias e suspeição de influenza H1N1.

(No fundo, eu acho que estou precisando de uma baforada da vovó.)

Saí do hospital zonza, com o atestado de três dias na mão, pra descansar e fazer o exame pra ter certeza. Nos dias de muito cansaço, eu dou meu reino por uma saída duas horas mais cedo do trabalho, mas faltar um dia inteiro não me agrada em nada, que dirá três. E na farmácia descobri que 117,00 pagariam os dois remédios que eu precisava tomar.

Parei na calçada e ri, desolada.

Minha mãe num pânico controlado no telefone, tentando achar solução pra tudo, querendo saber quanto custava o remédio, onde, como, e eu do outro lado lutando pra manter a calma. Se confirmada a doença, sem a minha morte obviamente, eu estava contaminando o balconista da farmácia. Fui ao mercado e prendi a respiração diante da caixa. Meu Deus do céu que mundo louco! Encontrei uma amiga e o filho. Falei de costas. Por recomendação da médica, era melhor evitar o contato com crianças. E isso foi o que machucou com sinceridade. Horas mais cedo, recebi dois pedidos: um pra levar na Bienal do Livro e outro pra dormir lá em casa. Isso quase me fez ceder, lembrar que deveria ficar longe daqueles dois pares de olhos que eu tanto amo nessa vida. Mas não cedi.

Fui pra casa, telefone gritando adoidado. Minha mãe. Já chegou? Ainda? Vem jantar aqui? Por quê? Então dorme aqui. Já tá em casa? E o remédio?

E eu lutando mais que nunca pra ficar calma. A última pessoa nesse mundo que eu queria descontar era ela. Até porque, há uma semana o outro filho tinha tido a mesma gripe, confirmada como não sendo suína. E ela também estava, mas bem mais fraca. Só eu que fiquei muito mal, devido a já ter a porta de entrada pela rinite e a sinusite.

Quando pus os pés em casa, avisei que tinha chegado.

― Vem jantar.

― Não, mãe, vou fazer aqui.

― Vou aí levar laranja.

― Mas eu trouxe ontem, mãe.

― Ah, é. Então...

A ligação caiu.

Enquanto estava me preparando pra fazer a janta, uma mensagem chegou. E outra. “Vem jantar”. “Se quiser, levo aí”. Sorri e desisti. No meu imenso egoísmo, queria ficar sozinha, pensar. Esqueci só poderia se não tivesse alguém me que amasse e se preocupasse comigo. Em pouco tempo estávamos jantando frango ensopado com batata (amo), arroz e salada de soja com agrião.

Quando ela se foi, fiquei na soleira da porta pensando se um dia eu vou sentir esse amor incondicional e tão brutalmente forte por alguém. Como ela iria dormir se não passasse os olhos em mim pra ter certeza de como eu estava? E não havia risco de contágio que a fizesse não ir. Ela ficaria doente comigo e, se pudesse, ficaria no meu lugar. E esse cordão umbilical que nunca se desfaz é outra coisa que só uma mulher é capaz de ter. Isso é amor de mãe. Isso é vida de mãe.

E além disso, como Ele não pode vir em carne e osso, manda seus anjos cuidarem de mim. Obrigada de novo, Ray. Obrigada a todos que ligam, mandam e-mails, MSN e Skype. Até Denise, lá de Goiânia! :-) Amo esse pessoal do Centro-Oeste. Sou feliz por saber que vocês existem. Obrigada, Deus.

E, Senhor, obrigada demais e eternamente por ter me deixado ficar com a mãe que escolhi. Era a certa. É a melhor de todas, com infinita certeza. E quando o meu anjinho do cabelo cacheado me escolher também, permita que eu seja pelo menos metade dessa mãe e mulher maravilhosa que ela é. Amém.

Agora vamos combinar: três dias vendo sessão da tarde é de cortar os pulsos, ainda bem que Deus inventou o livro e a internet. :-D

Volto logo.

L.

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