domingo, 13 de setembro de 2009

Serve suco de laranja?

É muito comum mudar o canal da televisão e se deparar com programas sensacionalistas nos quais mulheres agredidas moral e fisicamente por seus parceiros, choram pitangas que, depois, se transformam em suco. Claro, elas sempre voltam pra eles, se não voltassem, não seriam agredidas tantas e tantas vezes, afinal, nunca se vê alguém dizer “foi a primeira vez que ele fez isso”. Nunca é. O silencio leva a reincidência, que leva ao costume, que termina com o descrédito total ao choro das pitangas de mulheres agredidas. E nós, mulheres do século 21, criadas para sermos independentes, votamos, cozinhamos por gostar, trabalhamos por vontade, estudamos para sermos melhores do que foram nossas mães e avós, mas ainda nos deixamos abusar por homens como foram nossas bisavós, subjugadas por seus maridos.

Hoje, nós mesmos nos maltratamos, violamos e damos a eles apenas o crédito pelo não uso de camisinha, pelo fato de nunca termos certeza do fim do relacionamento, e, por mais que qualquer outra coisa, por não nos bastarmos.

É especialmente fácil dizer que o sujeito não presta e não olhar para o próprio umbigo. No primeiro mês de namoro ele invade seu computador via internet, num ataque hacker, e, tomado pela síndrome do Eu Sou Mais Esperto, rouba seus históricos do MSN, fotos, textos e tudo o mais que puder. Em seguida você faz o que? Chora, se descabela, descabela a ele, vocês caem na porrada e na semana seguinte, se amam como no filme Lagoa Azul. No quarto mês, você tem a pior Páscoa da sua vida, termina o namoro ao dormir no chão do quarto dele, vai embora magoada com as mentiras dele, chega em casa e ele te pede pra voltar, você amolece e quando está pronta pra dizer sim, ele some da internet e vai ao cinema com outra. Você, claro, chora e depois perdoa, volta e quando menos espera, está tomando uma gravata e desmaiando no chão da sala dele. E chora, perdoa e volta. Quando pensa que não, está sendo sufocada no colchão dele, sacudida, jogada no sofá, machucada de todas as formas, inclusive e principalmente, está sendo violentada moral e psicologicamente. E, ciclicamente, chora, perdoa e volta. A sua volta, todos acreditam que ele seja um santo, afinal, ele se comporta como um, tão manso, tão gentil e amigo. Porém, mais do que o comportamento dele, é o seu que determina a santidade dele: você briga, fala alto e gesticula, e, pior que tudo, sempre volta pra ele. Ainda que ele não seja santo, você está bem longe de algo parecido. Ele carrega a marca de um arranhão seu na mão esquerda. Todos podem ver o quanto você é agressiva. E ele carrega fotos suas, nua e na cama com o ex-namorado, e a cada briga ameaça-a de revelar ao mundo essa intimidade maravilhosa, da época em que ainda nem sonhava em conhecê-lo. E essa agressividade dele ninguém pode ver. Apesar disso, você sempre chora, perdoa e volta. Sua família, seus amigos, todos a sua volta o vêem como coitado em suas mãos, e você, a carrasca do pobrezinho. Ah, se pudessem imaginar que você entrega dinheiro a ele para o pagamento das contas e ele desaparece e não devolve mais, se sonhassem que ele inventa assaltos todos os dias, ou perdas misteriosas do dinheiro dele para usar apenas o seu, que dorme, come, e tem lindos sonhos as suas expensas, talvez aí sim, lhe dessem algum crédito pelo sofrimento não revelado. Você já quis contar que foi com o seu dinheiro que ele pagou colégio da filha, comprou roupa e comida pra ela, que saiu para se divertir sozinho e com a filha, mas desistiu, afinal, você chorou, perdoou e voltou.

Um dia, por vontade própria, ele se vai. E você chora, chora, chora mais, não perdoa e nem volta. Não pode voltar. Ele tem outra e não quer mais você. E você apenas chora.

Lá vai você, sorridente ao lado do novo namorado, aquele que respeita seus limites, que a faz morar eternamente no céu cada vez que lhe beija o pescoço, que a deseja em palavras e gestos, que a toma por sua e se impõe diante dos outros. Com ele não há choro, muito menos perdão e tampouco volta. Só há aceleração, vento no rosto, estrada sem fim. Quando a sexta-feira chega, vocês vão para aquele lugar feio, onde o som é pesado, e no qual você corre o risco de encontrar pessoas indesejáveis. Você e o namorado no mesmo local onde freqüenta o ex que te abandonou. Mesmo assim você aproveita ao máximo sua noite e finaliza o espetáculo em três belíssimos atos. Ah, como é bom amar assim, você pensa extasiada e envolta nos braços fortes que não te machucam, apenas protegem.

Porém, apesar do momento ímpar de felicidade, tão madura e redonda, algo em você ainda não está resolvido. Você então diz a ele que não consegue, não pode, não dá e mais mil frases batidas pra explicar que é incapaz de amá-lo como ele merece. Ato contínuo, reencontra aquele que veste a pele do cordeiro, e, feliz da vida, daquele seu estranho modo de achar felicidade nas coisas, termina o que faltava: perdoa e volta.

Como não poderia deixar de ser, ele volta com algumas surpresas recém-adquiridas com a ex (sim, ela agora é ex porque, ao contrário de você não o aturou muito tempo e o dispensou antes de enlouquecer), mas você finge não notar. Ele te pergunta se você teve outro homem, você diz que sim e ele se transforma outra vez, igualzinho antigamente, perde a calma, grita, bufa e joga na sua cara que no período de separação ele apenas ficou mas não teve coragem de ir pra cama com outra. Ele diz olhando nos seus olhos, não, ele grita que a moça implorou pra ser penetrada, mas ele foi forte e fiel ao seu amor e não consumou o ato sexual com ela. Ele te faz sentir vergonha, te faz se sentir suja e indigna do amor dele. Você chora, ele te perdoa e você volta.

O mundo é pequeno e você descobre-se ouvindo as verdades. Ele não só havia ido pra cama com a tal moça de vida fácil, como havia engravidado-a, e ela havia abortado o bebê. Você descobre, petrificada, aterrorizada, mortificada, que ela não era apenas uma vagabunda, era vagabunda do mesmo centro de candomblé que ele freqüentava, quando dizia pra você que precisava cultuar o orixá e a deixava em casa sozinha. E a voz do outro lado ainda te diz que o único orixá que ele cultua é o da filhadaputagem, pois já vinha cantando-a desde quando ainda era seu namorado. Você pergunta por que, e a voz lhe diz que irmãos de santo não podem ter caso, muito menos trepar, é como um incesto, desta forma você não foi a única enganada, mas também o coitado do pai-de-santo da casa que, como você, abriu as portas, cuidou, amou e foi traído da mesma maneira repugnante.

Aí você pensa, analisa, pondera consigo mesma e conclui que não há mais o que chorar, apenas perdoar e voltar. Você volta e convive outra vez com todas as deformidades da alma dele. E se ajuda, tenta ajudá-lo também, mas ele parece não querer. Ele te empurra, cospe em você, te sacode pelos ombros, te joga no sofá, tudo igualzinho. A diferença é que dessa vez você não revida e nem sente pena de si. Começa então a entender que deve sentir pena dele, que anda na contramão da sua evolução. E você não tem mais gritos pra ele agora. Não tem mais unhas, nem desejos demoníacos de vingança. Você se pergunta se o amor acabou. E se responde.

Num ataque suicida, tomado por um ciúme doentio, animalescamente ele invade computadores via internet, invade MSN, Orkut e contas de e-mail, as suas e dos seus amigos mais chegados, aqueles que ele sabe que você confidencia sua vida. E, saciado, descobre que você mentiu, que não vale nada, que é uma grande canalha. Ele passa a te tratar mal, vivendo com aquele ódio cancerígeno no peito, amargando noites, sangrando dias. Cansada de fingir para si mesma, você termina com ele, assim, em paz e em tom baixo. Ele explode, te acusa, te ameaça de morte, tenta quebrar sua casa, tenta te machucar mais uma vez. Ele berra enfurecido, enquanto você vê o brilho da morte nos olhos dele, enquanto te acusa de mentir por não contar que ficou com outras pessoas enquanto vocês estavam separados. Você quer rir de nervoso, mas teme que aquele pedaço de madeira nas mãos dele vá parar na sua cabeça e se mantém firme. Como uma professora que lida com um aluno menor e violento, você o leva a crer que se afastar é o melhor naquele momento e ele se acalma e vai embora. Mais uma vez com o seu dinheiro. Quando você o chama de volta, para conversar, porque gosta da companhia dele e acha que há possibilidade de reversão do quadro, ele vai com todas as facas e espadas em punho. Você pede para dormirem e conversarem de manhã, ele a acusa de fazê-lo de idiota. Ele grita, acorda o filho do vizinho. Ele se transforma, parece uma cascavel pronta pra dar o bote, mais ameaças, mais gritos e você, amedrontada. Você pensa, se eu morrer aqui sozinha, ele vai fugir e ninguém vai me acudir. Ele pensa, é isso aí. Ele dorme, mas seu medo não. Mas você ainda tem uma coisa importante: a inteligência emocional. Quando ele finalmente se vai, você se perde em pensamentos enquanto sente as pernas bambearem.

Agora não há mais o que temer. Você tem paciência e espírito para decidir o melhor a fazer. E você faz.

Quando você se respondeu que não havia mais amor, esqueceu-se de dizer que não havia mais piedade também. Nem vinganças baratas. E neste dia novo, pela primeira vez em quase três anos, você não chora, não perdoa e não volta. É o dia em que você compreende e aceita, definitivamente, que não pode mais culpar a ele por seu ciclo de fraqueza. Se você sabe que o sujeito não presta, a culpa é sua se continuar a história. Quem é cúmplice é tão culpado quanto quem comete o crime. Desde o início o erro foi seu, o erro é seu. E se não quiser que seja mais, comece por mudar a sua atitude, a sua postura diante dos fatos. Se não quer continuar passando como a deprimente mocinha que se auto-flagela enquanto o amado leva vida de rei. Se não pode mudar o mundo de uma vez, comece aos poucos, por você. Faça sua parte e você verá como os seus olhos enxergarão além das fronteiras das possibilidades criadas por seu coração.

Porque nossas bisavós, pelo menos, morriam apenas de velhice.

L.

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