domingo, 5 de julho de 2009

Festa com uma nota só

Resistir a uma tentação é fácil quando o objeto tentador não significa nada para você. Ou então, quando você (pensa que) não precisa dele.

Dia de festa no coração da empresa, uma festa caipira armada na sede do Grêmio. Viagem decidida em cima da hora, malas arrumadas às 2h da manhã da véspera da saída. Gasolina, freios e motor, tudo em ordem do lado de lá. Unhas, depilação e cabelo, tudo em ordem do lado de cá. Partimos.

A estrada estava tranqüila, tudo tão em paz dentro do peito, papo tão gostoso rolando no carro, que quando pisquei, estava em Rio Bonito, cidade do interior do estado.

Pouca gente havia chegado naquele horário. Menos mal, deu pra conhecer aquela imensidão de sítio antes de confraternizar com os amigos do trabalho.

A mata nunca me atraiu. Sou do mar, da praia, do Sol, da Luz e da água corrente. Mas, rios e cachoeiras seduzem-me por muito pouco. Havia um rio, uma pequena corredeira, entremeada de pedras, de fundo claro como o dia. E não fosse o frio, teria passado boa parte do dia deitada naquele berço esplêndido. A água corrente do leito do rio parece ter poder mágico de me fazer ainda mais formosa, algo de divino paira sobre minha cabeça quando me olho nas águas cristalinas enquanto me banho.

Depois de arrumar o cantinho do sono, a fim de evitar fazê-lo após a festa, quando isto seria tarefa sobre-humana, fui conhecer o espaço e as pessoas responsáveis por torná-lo a segunda casa da empresa. Logo de cara, churrasco. E, não menos de cara, um inconveniente bancando o apaixonado. Pensei: ok, eu sou a visitante, carne nova no pedaço, então a curiosidade me torna chamativa, nada a fazer a não ser ignorar.

Festa começando, pessoas chegando, frio apertando, coração ansioso. Tudo começado, todos presentes, ficou apenas a certeza de que haveria uma grande falta na festa. Quando todos são basicamente desconhecidos, afinal é impossível conhecer mais de trezentas pessoas de uma vez só, uma única pessoa conhecida seria o oásis no deserto. E eu, bicho do mato como sempre, com todo o receio do universo de chegar no meio de todas as rodinhas e dizer “Olá, eu sou Lucille, falo com você todo dia por telefone, e-mail, Skype e Spark, agora podemos nos conhecer pessoalmente.”, preferi ficar com a velha e querida amiga, do que sair da zona de conforto concedida pelo providencial anonimato. Mas, quando saí e retornei, num passe de mágica, lá estavam todos os outros velhos amigos de todo dia, com namoradas, primos e, enfim, minha festa ficou completa.

Bebida e comida a vontade desde cedo, esperava ser derrubada cedo também. Mas, apesar de o garçom nunca me deixar de copo vazio, ou melhor, o copo nunca chegava até a metade, fiquei firme sobre o salto alto.

Quando anunciaram a quadrilha, eu, logo eu, quadrilheira do alto do morro, dançarina de destaque, nem cogitei participar. Queria tirar foto da galera. Estava com uma imaginária credencial no peito que me permitia tirar fotos de todos, a todo o momento. Meu anonimato providencial. Durante uma rápida pausa no banheiro, pensei: oras, se eu continuar me comportando como uma colegial envergonhada, nem preciso me dar ao trabalho de concluir a faculdade de Recursos Humanos. Uma profissional de RH se deixando intimidar pela presença de pessoas? Inadmissível.

De volta ao salão, passei a mão no meu par, o cavalheiro que eu havia esperado ansiosamente, e lá fui eu, dama resolvida, RH na veia, sem medo de ser feliz.

Dancei, ri até doer a barriga, bati palmas, dancei e dancei tanto, que todas as calorias desnecessárias do dia foram embora. Num dos passos, de troca de casais, no qual o cavalheiro de trás dava a mão para a dama da frente e a rodopiava até que ela fosse para trás de si, no terceiro cavalheiro, senti mãos fortes segurando as minhas. E como se os deuses das quadrilhas tivessem escutado meus pensamentos, eu estava sendo segurada por mãos de outro quadrilheiro de salão, daqueles que dão o sangue pra fazer bonito na apresentação. Quando me rodopiou para trás, continuamos dançando igualzinho aos velhos tempos. Nada foi dito e nem combinado. Eu não vi seu rosto direito devido ao chapéu de palha desfolhado na frente. Mas me senti tão boba naquele momento, uma jovenzinha de 19 anos metida naquele vestidão se apresentando e sendo guiada pelo Marcinho. Tempo bom... Quando, noutro passo, a ordem era um cavalheiro retirar uma dama qualquer para dançar, que não fosse a sua, eu estava ainda lembrando da medalha de melhor destaque, quando vi meu chefe me puxando pro meio do salão. Meu chefe! “No balancê!” hahaha Com um sorrisão largo e farto ele me puxou pra dançar, o primeiro casal – eu e meu chefe. Cara no chão e sangue gelado, lá fui eu, devolvendo o sorriso e, inevitavelmente, me divertindo demais.

Quando acabou, fomos juntar o grupo, os velhos e os novos amigos e rir ainda um tantão mais da noite que seguia madrugada a dentro. Sob a luz da Lua, conversávamos sobre os homens da festa. Carência no auge, achamos que o garçom era bem interessante.

― Mas se você não falar ou deixar claro que tá a fim dele, ele não vai chegar.

― Ah, não, mas eu não sou assim.

― Assim como? Quer dizer que olhar é ser fácil?

― Não, é que eu gosto que as coisas aconteçam.

―Ahnn... sei... tá. Tipo, ele passa olhando pra vida e do nada fixa o olho em você e se apaixona, isso?

― hahaha É quase isso.

Mas eu não tenho essa paciência. Sou da ação, já disse isso. Notei que nossos copos não paravam vazios, não havia nada que quiséssemos que não viesse de imediato. Então, ativa e reativa, fiz o que tinha que ser feito.

― Querido, tem Fanta?

― Tem, sim. Vou buscar.

― Mas antes, faz um favor, enche o copo da minha amiga.

E quando o querido amigo de trabalho veio sentar pra puxar assunto, eu aproveitei e o puxei pra outro canto, a fim de deixar a natureza se encarregar de deixar as coisas acontecerem entre eles. Hehehe Sou uma pequena bruxa quando quero. Ou quando é necessário.

Um passeio pelo sítio frio fez bem ao coração. A mata mergulhada na semi-escuridão me despertou sentimentos adormecidos. Segui em frente. Quando voltei, a vida não estava mais monocromática.

No salão, começou o funk. Preciso acabar o relato? M-e-j-o-g-u-e-i. Dancei, dancei e dancei até começar a não ver as coisas direito. Não, não foram os olhos. Era o cabelo que caía desesperadamente no rosto, atrapalhando minha visão.

No mesmo pique, logo mais a frente, estava o rapaz da quadrilha. Aliás, dançar era com ele mesmo. Jogando a bundinha pro lado e pro outro, conforme determinava a música, percebi que o nosso amigo garçom, que a essa altura já era amigo, parou diante de sua “namorada”, a espera do beijo que ela havia marcado para mais tarde. Mas, talvez percebendo que esse mais tarde poderia acontecer tarde demais ou nunca, ele foi até seu objeto de desejo e, após uma breve troca de palavras, arrancou o tão esperado beijo dela. E eu, que estava do lado, abri um sorriso para logo depois pensar que agora havia ficado sozinha pra dançar. Tudo aconteceu rápido demais. O beijo, o fim do papo e eu me virar para não continuar olhando o casal. Em segundos, me virei e dei de cara com o salvador da pátria. Novamente, ele me puxou e, sem oferecer resistência, continuei dançando enquanto sentia um filete de suor escorrer pelas costas indo se acabar na exatidão do cóccix.

Foi engraçado. Estava com o rosto virado pro lado, e quando tornei a olhar pra frente, muito seriamente ele me fitava, como que a me desafiar. Vai parar só porque sua amiga parou? Tá cansada? Ou tá se sentindo velha demais pra curtir as coisas boas que a vida coloca em suas mãos?

Nada, nem um pio. Só nossos corpos se movendo no mesmo ritmo até quase tocar o solo. Eu fui até mais embaixo, devo dizer, cheia de orgulho de derrotá-lo no funk. Hahaha Quadrilheira e funkeira do alto do morro, que nunca perderá a majestade.

Quando a noite ameaçou virar dia, o grupo da resistência começou a se desfazer. Todos em suas camas e apenas nós ainda na rua, sob a grama, rindo alto, falando de trabalho (inevitável!), até fazendo fofoca da vida alheia.

Subindo a trilha devagar, sendo cuidadosamente acompanhada até a porta do meu chalé, sabia que algo estava para acontecer antes que a carruagem virasse abóbora. Conversamos animadamente sobre tanta coisa, tão distraída com o assunto, notei que não só pelo tom de pele preta, tínhamos uma história de vida parecida. Nossos pais... Quando paramos, aquele par de olhos castanhos pousados sobre mim, seria e serenamente fixados nos meus olhos, me diziam o que eu não queria saber. Despedi-me inteira, vestida da minha própria vontade, sabedora dos meus limites e opiniões, consciente de que, não há problema em dizer não. O verdadeiro problema está em negar seus próprios sentimentos, negar que haja em si mesmo um único desejo de seguir o coração e não o corpo. E certa de ter tomado a melhor decisão, deitei feliz e adormeci com dois anjos guardando o sono da senhora de mim mesma.

O dia seguinte correu tranquilo e calmo. Até demais. Todos ressacados e tristes pela proximidade com a segunda-feira. Mas ainda havia muita animação pra passar o dia. E tome churra!

No caminho de volta pra casa, fiquei olhando o horizonte, lá onde o mar se encontra com o céu e pensando em tudo que havia acontecido. Não só no fim de semana, mas antes também. E imaginando qual passo dar nos próximos dias. Surpresas me aguardam na próxima segunda-feira no trabalho. No fundo do coração sinto que não vou gostar delas, assim como sinto que elas não vão gostar do trabalho. A sensação é de frustração antecipada. Lá, bem lá no fundo do coração, sinto que dei passos importantes nos últimos dias. Sinto que girei um pouco a Terra em direção ao meu Sol. Vejo pessoas se agarrando umas as outras, na esperança de serem salvas, mas acho que não se perguntam do que querem ser salvas. Talvez, se descobrirem que são seus próprios algozes, consigam não depositar no outro a responsabilidade por sua própria salvação.

Quando tornei a abrir os olhos, depois de muito divagar em silêncio, já estava na Ponte e pude ver o pôr-do-sol se chegando no céu, esfriando o dia bom de um domingo iluminado.

Sabia que aquilo poderia ser a sua ruína, mas queria arriscar. Finalmente reuniu coragem e atravessou o muro que a separava dele. Quanto mais andavam, mas tinha certeza de que desejava fazer aquilo. Estava disposta a pagar. Ambos estavam. Quando nada mais havia a dizer, ao lado da cabana, detiveram-se a sombra de uma árvore. Abraçaram-se ternamente, tão solidários quanto desejosos um do outro. Era o gesto que faltava, era o que precisavam em sua infinita solidão, apenas um abraço, demorado e apertado, para unir ainda mais aquilo que nem o tempo havia conseguido separar. E, quando se soltaram, o caminho que seus lábios fizeram, já estava traçado e definido por um linha invisível dos amantes esquecidos. Beijaram-se mansamente, sem pressa nem urgência, apenas explorando os cantos úmidos e perdidos de suas bocas. O beijo revelou o que todos aqueles anos tentaram esconder, disse o que nunca puderam dizer. Quando ele a afastou, disse lhe que estava apaixonado. Ela sorriu, agradecida aos deuses por ter tido outra chance. Foram interrompidos por guardas, zeladores da estrada, que mais uma vez os impediam de se entregarem como queriam. Mas, agora, já sabiam que podia ser perfeito e não pretendiam mais ficar separados. Ela, calma e segura de si, e ele, ansioso para enfrentar o mundo em nome daquele sentimento. Ambos em silêncio, seguiram rumo ao novo dia, sob a luz que emana dos que se querem profundamente.

E agora, meia-calça preta a postos, salto alto, cabelo preso e óculos pra reassumir a postura de profissional séria que aquele shortinho branco destruiu.

Maravilhosa semana para todos nós.

L.

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