segunda-feira, 18 de maio de 2009

Morte em 5 atos

I

Queria que fosse o fim de um ciclo confuso e dolorido. Mas não foi, nunca seria. O fim só poderia ter sido decretado com a minha morte. Ou a dele. O recomeço, com flores e sonhos repartidos, não aconteceu. Meu despertar era ainda em semi-escuridão. As cortinhas do quarto, bem como as que nos separavam, estavam sempre cerradas. Enquanto lá fora a cidade fervilhava com os acontecimentos diários, aqui dentro de mim jazia um sentimento, num eterno descanso de mentiras.

II

Uma vez? Onde? Foi melhor? Ela sabia que a cada resposta, fosse qual fosse, empurrava ainda mais a faca no próprio peito. Ela pensava estar preparada, mas se enganara. Tudo não passava de românticas vontades do seu esperançoso ser. Dia a dia descobria que as respostas nunca faziam parte do time Verdade. Freguesa antiga, entendeu que estava mais uma vez carregando um peso morto nas costas. Quando menos esperava, um golpe de ar a deixou acamada. Uma violenta dor tirou-lhe o sorriso e a vontade de continuar viva.

III

Não havia o que pudéssemos fazer. Tudo o que era possível fora tentado. Junto ao pequenino corpo, choravam pai e mãe, tão amargurados quanto responsáveis pela morte do pequeno feto. Tentamos não olhar, não queríamos saber o que seria deles; aquela morte era ainda mais pesada do que supomos aguentar. Então havia uma vida, havia uma história e um filho criado numa perfeita noite de sexo sujo, deitado sobre o sofrimento alheio. Eles arriaram as oferendas na encruzilhada de noite e no dia seguinte, enterraram o fruto de sua vergonha. Não, nós não queremos mais ver pequenos corpos pendurados em árvores podres, nem ouvi-los chorar de noite, pela morte lenta e agoniada de seus pais.

IV

“Tia Lene?”

V

Corri o máximo que pude. Quanto mais corria, mais deixava um rastro de lágrimas de sangue. Morri muitas vezes numa só noite. O que não morreu de mim, eu mesma tratei de afogar no lago que se formou do meu sofrimento pela palavra não dita e o afago não feito. Anjos me deram lenços, com os quais sequei o rosto e tornei a correr. Quando parei, ofegante e ainda com os olhos úmidos, vi que não sabia qual caminho seguir. Lá no fundo, uma voz pediu ajuda. E do raso, outra voz respondeu e me guiou. Viajei por estradas, naveguei por mares e voei por sobre montanhas, até chegar a um lugar fresco, rodeado de verde, tranquilo e acolhedor. Sem que eu percebesse, mãos fortes e braços longos me envolviam num sonho onde nada seria capaz de me ferir. Estava errada. Senti o corpo encontrar a parede, num balé grotesco, enquanto ouvia meu coração pensar em desistir de tudo. Escondi-me, solucei até que todos os deuses fossem capazes de me ouvir, talvez tivessem piedade de mim. Piedade. Cercada de poças, levantei e, boa menina, fui obedientemente buscar nosso alimento. Havia dor de tanta perda, mas uma luz de esperança apareceu no caminho de volta. Enquanto a primeira refeição do dia, que acontecia na primeira hora da noite, reanimava o corpo, a luz enchia o local de um odor velho conhecido: carinho gratuito. Andando rumo a praia, cedi, perdi as forças, morri mais uma vez. Mas dessa vez, havia uma parede entre mim e o sofrimento, um abraço removedor de montanhas, cessador de ventos. Em pouco tempo eu estava caminhando por sobre o murinho, leve e esperta como a menina que havia se perdido de mim pela estrada. Dali do alto, eu era novamente bonita e insuperavelmente querida. Pelo mundo minhas risadas ecoaram. E sem mais nenhum choro e muito menos vela, enterrei o sentimento morto, contorcido e desfigurado . A vida me trouxe a morte mais esperada. E quando joguei a última pá de terra, num assopro, morri também. Pela última vez.

L.

Um comentário:

Lord disse...

Quero ver vc feliz. Vc não merece, foi feita pra ser amada.

Te amo, garotinha......

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