domingo, 30 de novembro de 2008

Água de morro a baixo, fogo de morro a cima

[Adoro ser observada por esse par de olhos fulminantemente verdes. Especialmente quando não o posso ver, mas sei que está pousado em mim. Adoro essa paz monastérica, essa despreocupação com tudo, essa forma tranqüila de viver. Adoro levar uma hora pra chegar a algum lugar, ficar perdida e rindo da aventura e no final, rir mais ainda por ter dado tudo certo. Adoro essa expressão séria, e mais ainda a sorridente. Adoro subir as ladeiras... E fugir! Ah, como adoro. Adoro essa voz grave, esse sorriso branco perfeito, essas mãos pesadas. Adoro ver, ouvir e fazer parte de outra história.]

Eita semaninha doida! Uma hora, lágrimas sem fim inundaram o corpo, a alma e uma vida inteira. Noutra, uma Ice geladinha animava a noite fria enquanto corpo e coração eram aquecidos pela simplicidade incrustada na arte de ser feliz. Tudo passou de verdade na sexta, quando o telefone tocou. Quero falar com você, vem dormir aqui em casa? Fui. Passamos a noite conversando, como há anos e anos não fazíamos. Um suco de manga no Bairro, pessoas queridas por perto, tão perto como se eu nunca as tivesse deixado em segundo plano, chuvinha morna no rosto uma formidável sensação de estar no devido lugar. Subi a ladeira analisando as construções tão familiares aos olhos e ao olfato, naquela rua tudo tem um cheiro particular. A varanda... Aquela sacadinha, velha conhecida do meu corpo, das tardes de domingo, das noites de briga, das luas cheias, do esconderijo. Saudade veio em onda, balançou, mas não chegou a me derrubar, permaneci de pé sentindo as emoções indo e vindo de mim. A curvinha do desespero estava lá, intacta. Mas não há mais desespero. Quando chegamos, a pequena e levada Vida nos esperava ansiosa. Tanto assunto, tanta coisa, não dava pra dar atenção à peluda. Palavras foram chegando aos borbotões, revelações, pensamentos, conselhos, fé. A madrugada chegou como quem nada queria e nos apanhou para nos deixar bem na terra do sono profundo. Depois de beijos e abraços, nos afastamos em sonho e dormimos tão perto como se fizéssemos parte da mesma vida. E fazemos.

A manhã de sábado veio carregada. O sono de uma semana inteira se abateu sobre mim justo quando eu mais precisava estar acordada. Mas, como não fui durante a semana, fui forte e mostrei a mim mesma quem manda. Após os sagrados cinqüenta minutos de despejo de tanta dor, frustração e raiva, o dia passou a ficar bom e os sentimentos ruins se dissiparam nas nuvens carregadas de chuva. E choveu. Com a água que caiu, tudo o mais foi escorrendo para o mar sem fim. Quando tudo acabou, já estava sã e salva no meu lugar. As horas voaram, sem ansiedade ou medo, tudo estava em paz. Telefone tocou, sorriso iluminou toda a Baía de Guanabara. O Cristo Redentor piscou e disse “vai nessa, garota!”. Fui. Belíssima e destemida, desci as ladeiras escuras, a pé e de salto alto, falando ao telefone e contando alegremente o que iria fazer dali a pouco. Quando acabei de descer e percebi o que tinha feito, fiquei temerosa por minha segurança, mas extremamente orgulhosa de minha repentina coragem e audácia. Era eu mesma? Não sei, mas o fato era que tinha feito e estava satisfeita com tudo. Pensei que horas se passariam até que o medo se abatesse sobre mim e eu tivesse que procurar um local seguro pra esperar. Olhei para os pés, tão firmes e seguros sobre as sandálias brancas, as unhas bem feitas, a pele brilhando sob a luz azulada do poste. Senti que estava tudo bem. Quando levantei os olhos, um facho de luz surgia no início da rua. Era um cavalo alado, muito bonito e imponente, vindo me buscar no alto da torre, trazendo sobre si um bravo e atrasado príncipe. Sorri ao constatar algumas coisas, e especialmente quando notei que não havia ali uma senhora de vinte e oito anos fazendo o único passeio a que tinha direito no mês. Havia sim uma jovem mulher de vinte e oito anos, cônscia de seu poder e sabedoria, animada e determinada, buscando para si o melhor que a vida tem a oferecer, porque a vida é agora. Telefone toca de lá. Olimpo? Castelo? Ih, vamos que vamos! De saia jeans, blusa branca de manga comprida e um lindo capuz, eu estava ótima pra fazer o que iria fazer. Mas pra pista? Hum... Tô largada pra Olimpo... Pra mim tá perfeita, mas você quer se vestir pra mim ou pros outros? ... .... Toma, Lucille. E como o mundo nos pertencia, lá fomos nós. Linha amarela, vermelha, lilás, grená... Filme, Ice, chuva, infinitas risadas, amigos. Senti-me com dezessete anos, ganhando o caminho com André, sem fronteira, sem receio, tudo era apenas diversão. Senti-me com vinte e dois anos, ao lado do Rodrigo, curtindo cada gota de vida que havia em nós, sem freio, tudo era apenas som e sorriso. Ficar em casa vendo DVD debaixo das cobertas é delicioso, mas cachaçar de vez em quando, num canto qualquer do universo, junto de todo tipo de gente, é fundamental pra manter a relação de amizade entre o casal. Essa lição é decoreba!

Quando me olhei no espelho, vi uma filha de Afrodite completa, bela, carregada de sensualidade, amante incansável, amiga paciente, irmã compreensiva, sabedora dos próprios desejos e ansiosa por saciá-los. Nada naquele momento mágico poderia me dizer o contrário. Tudo bonito e no devido lugar, eu era a verdadeira expressão da lascívia. E despudorada. Procurei em mim alguns resquícios de dor, alguma nota autopunitiva, e como não achei, entendi que tudo o que sentia naquele momento era estreme e insondável. Muito calma e gentilmente a terra foi se abrindo sob meus pés, olhei pra baixo e vi que havia fogo no mar, não queria cair, ou queria, não sabia ao certo. As pernas bambearam com o afastamento dos mundos, meu corpo foi tomando formas estranhas, queria fugir, queria ficar, queria saber como seria aquele espetáculo, mas não queria me machucar. O fogo crepitava como sal deitado no lume e eu, uma mera espectadora desse estranho balé. Então a fenda abriu mais, não havia mais como lutar, mãos subiram, braços fortes me aguardavam no fim daquele oceano em chamas e eu deixei que os olhos se fechassem e caí, profunda e lentamente, como quem morre com um derradeiro suspiro de prazer. E morri.

Quando ressuscitei, estava deitada placidamente num campo vasto, cheiroso, de onde era iluminada por dois sóis. Verdes.

[Câncer - 21/06 a 21/07 Conjunção entre Vênus, Lua e Júpiter, na sua área afetiva, nesta segunda, promete esquentar a vida íntima, com um encontro especial que terá tudo para se transformar numa relação estável. Parcerias e associações também serão favoráveis. Impulsione um novo projeto de trabalho, com a proximidade entre Marte e Sol. Mercúrio e Urano acelerarão sua produtividade, mas o cotidiano poderá ficar estressante. Equilibre-se com atividades físicas e relaxantes. Sacadas e idéias originais enriquecerão a atuação profissional. Amor em alta no fim de semana: confie mais na relação!]

O domingo trouxe um Sol tímido, nem parecia um domingo de paz. Paz lá fora, guerra em mim. Abri a caixa de e-mail e lá estava a resposta que eu havia passado minutos, horas, dias intermináveis aguardando. Estava lá e eu cá. Olhei-o. Sentei-me em frente ao computador e perdi vários minutos a olhar para as letras negritadas que compunham o remetente, assunto e data. Honestamente, fiquei curiosa. Fechei os olhos, um frio arrepio me subiu a espinha. Não há mais lágrima, não há mais espera, não há mais dor. Ainda de olhos fechados, respirei fundo e automaticamente veio à tona a lembrança terna e simples do abraço apertado depois de uma sessão de risos. Quando reabri os olhos, a mensagem não estava mais lá.

O mais importante é não desistir.

Recomeçar do zero.

Obrigada pelo fim de semana em paz, meu Deus. Obrigada por me fazer forte. Obrigada por me mostrar os caminhos. Obrigada a vocês, queridos parceiros de caminhada.

L.

Um comentário:

Anônimo disse...

Saudades.
A cada dia que passa, você escreve e encanta melhor.
Um beijo

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