quinta-feira, 20 de março de 2008

Decifra-me ou te ignoro!

Certa vez li em alguma crônica de jornal que a maior inimiga de um escritor é a página em branco. Por inúmeras vezes, inclusive esta, constatei a veracidade da frase. Não existe coisa mais aterrorizante do que uma tela com um editor de texto em branco, e o cursor piscando como a dizer “Que horas começa? Cadê a idéia?”.

Minutos antes, as idéias debatiam-se na cabeça, todas borbulhantes e efervescentes, prontas para ganhar vida no computador. Mas acomodar-se na cadeira e respirar fundo enquanto o editor de texto abre, é, indubitavelmente, o momento de agonia das idéias. Algumas morrem, outras se perdem, e há as que passam por crise existencial no melhor estilo ser ou não ser, eis a questão.

Mente de escritor deveria ter gravador ou máquina de escrever acoplada. E antes que me sugiram o gravador de voz, explico: nem sempre as idéias surgem num momento em que se pode falar, ou mesmo parar para vê-las amadurecem. Já tentei, por duas vezes, usar o gravador do celular para registrar o nascimento de uma idéia. Sem sucesso. Alma de escritor não é alma de cantor, a arte não se faz da palavra dita, mas sim, da palavra escrita. O prazer reside em ver letras tomando forma de palavras e palavras florescendo num texto que é seu. Imaginem um artesão gravando no celular a forma de fazer uma escultura em argila? Pois é, é dessa forma que me sinto. Preciso estar com as mãos tiquetaqueando pelo teclado, os olhos regendo frases e pontuação. Escrever é quase como gerar uma vida, o que não deixa de ser verdade, afinal, é parte da minha vida que escapole papel adentro.

Antes que os leitores da banda podre digam, pela enésima vez, que minha arrogância sem limite faz-me considerar uma escritora, apresso-me em explicar. Não me considero uma artista ou uma Agatha Christie (minha preferida absoluta), mas aprendi que daquilo que se quer, só não se consegue o que não é tentado. Portanto, eu poderia ser um piloto de aviões, não existe nada nesse mundo que me impeça a não ser o fato de eu nunca ter tentado. Enquanto muitos lêem, posso me considerar uma escrevedora de fundo de quintal bem sucedida.

Além do ato em si, escrever me dá prazer por saber que variadas pessoas acompanham o que escrevo. São amigos, família, desconhecidos, admiradores(as) e até mesmo os que não simpatizam com a minha pessoa. Deveria ser estranho, eu, que coleciono antipatizantes, ter uma coleção tão vasta de (anti)simpatizantes aos meus escritos. Um dia entendi: sou complexa, sou vastamente complexa, e tudo o que é complexo causa curiosidade. Por que ela age assim? O que pensa? Qual será a próxima doideira dela? Coisas que nem eu sei responder, e que, algumas vezes, pra bom entendedor, ficam evidentes em meus textos. Estas visitas, que tentam passar despercebidas, muito me enchem de orgulho, pois entendo que se escrevesse besteiras, estas pessoas jamais voltariam. E voltam. Mesmo me jurando pela mãe mortinha que me odeiam. rsrs

Hoje, por exemplo, é um sábado chatamente chuvoso, águas de março que fecham o verão. Mas e a promessa de vida? Bah! Tá bom... De um lado um maluco fala idiotices sem fim, certamente motivado pelo milenar desejo que todo homem tem de ser corno. Não adianta, todos têm, uns mais outros menos, uns explicitamente outros apenas nas orações antes de deitar. É quase uma Lei: todo homem precisa ser corno pra ser um ser completo e perfeito. Isso também já aconteceu comigo, o namorado parecia um mico selvagem: pulava em todos os galhos possíveis e imagináveis, com a habilidade de um pássaro e a decência de um hipopótamo. Neguei esse pedido o quanto pude, não fui educada pra isso, afinal. Mas, também aprendi a ser caridosa, e não pude ser indiferente a este desejo tão intenso de ser corno. Saciei-o com a graça de uma borboleta e a rapidez de um coala. Desde então, tive aos meus pés o mais rastejante dos homens, o mais amável, o mais tudo. Se eu soubesse que seria tão mais fácil do que brigas e loooongas discussões de relacionamento, não teria esperado três anos. Portanto, cara leitora tenha ele 20 ou 50 anos como é o caso do idiota em questão, nunca deixe de atender ao pedido mais primitivo do homem. Eles precisam disso.

Bom, voltando ao sábado. Pela primeira vez, faço um texto com algo brilhando douradamente no dedo anular da mão direita. Definitivamente, eu fui a noiva mais bonita que eu já conheci em toda minha vida. Foi uma semana dura, muita gente entrando de carrinho, fazendo falta grave. Depilação, unha, cabelo, vestido... Meu Deus! Não vai dar tempo! Mas deu. Foi quase tudo perfeito. Famílias, meus meninos, dia de sol quente. Pele lisinha, cabelo preso com uma flor, unhas branquinhas e bastante comida na mesa. Tudo perfeito. A exceção do noivo.

Sim, eu ia falando do sábado. Mania feia de me desviar do assunto. É que as idéias não pedem licença, vão acontecendo como flechas. Às vezes me surpreendo comigo mesma, não sei como posso ter uma mente tão fértil. Daria uma ótima Narizinho, de Monteiro Lobato. Ou um ótimo Bobby. rsrs Se eu tivesse sabedoria suficiente pra canalizar de forma positiva todas essas idéias, conseguiria chegar onde quero muito mais rápida e eficientemente. Exemplo disso é a resposta ao e-mail da Flavia que publiquei no post anterior. Quando li, não cheguei nem ao final do e-mail e a primeira resposta foi “filha da puta”. Desculpem o palavrão. Fui atropelando as palavras, lendo o e-mail em goles grandes, quase engasguei. Se fosse ao vivo, seria uma pancada na baixinha. Nem pensei, cliquei em “Responder a todos” instantaneamente. E é essa minha impulsividade que me amarra a vida que quero deixar de ter. O telefone tocou, atendi, acalmei um pouco. Abri outros e-mails, um deles era piadinha de um dos muitos desocupados da empresa, mas que era até engraçadinha. Aí sim, ainda afrontada, mas com menos sangue nos olhos, respondi o e-mail da Flavia. Apesar do tom Lady das Arábias que imprimi em minhas palavras, no final do texto havia um invisível “Obs.: Ah, e me faça um favor após ler isto, vá se fuder!”. A favelada em mim perdeu essa batalha, felizmente. E a sabedoria fará com que a lady reine sempre.

Bem, quase não consigo fincar pensamento no sábado. Sei que algum neoliberal-pseudo-esclarecido vai me chamar de preconceituosa por associar a palavra “favelada” à condição ruim da minha personalidade. Que o faça! Pouco se me dá quanto a isto. Apesar de ter vindo deste fazedouro de eleitores pobres, que vendem um voto por um quilo de feijão, não vejo este lugar com olhos de futuro. São vidas perdidas, almas jogadas no chão como papel de bala, o doce. E a outra bala com endereço certo: a mão do seu filho. Nasci e cresci vendo e vivendo essa realidade cruel, apesar do que, nos anos 80 a polícia era muito mais amiga da bandidagem do que hoje. Não era dinheiro de arrego, era amizade mesmo. Bandido de asfalto era criado lá mesmo, bandido de morro só vendia droga. Anos que se passaram e a imagem da favela mudou interna e externamente, a história vendida lá fora não é mais mentirosa. E eu nunca pensei que pudesse chegar a essa conclusão, afinal, apesar dos poucos, mas grandes sustos que passei ao subir ou descer a favela, ainda assim era um lugar não feio, não há crianças jogadas na rua feitas papel de bala, meninos ainda são meninos. Mas conheci o Jacarezinho, segunda maior favela da América Latrina. O comitê de boas vindas na entrada é um grupo de meninos papel de bala. Não, não jovens de 15 anos. São meninos com seus 5, 8 anos. Ao longo do percurso de entrada na favela, eles vão diminuindo, parece que lá dentro a vida é normal. Parece que aquele grupo é apenas um bando de mini-zumbis que tenta bloquear a passagem, a dizer “por favor, não entre e se entrar, não fique, não crie raízes aí, não tenha filhos aí, não traga mais um menino papel de bala para cá”. É chocante e altamente cruel. Mas o que se há de fazer? Dar dinheiro? Levar pra casa? Eles voltam, quando não, outros são produzidos de igual forma e teor. Este é o retrato vendido da favela que me custava crer, mas agora sei que é real. E triste.

Chega! Perco-me e não falo do sábado. Haja o que houver, mais uma vez. O dia que merece um sono até as 10h, que merece uma senhora espreguiçada na cama e um amorzinho matinal demorado, sem dúvida, é o sábado. As coisas mudam. Antigamente, poderia morrer em qualquer dia da semana, menos na sexta-feira. Tinha que sair, dançar até cansar. Mas, a idade e as prioridades mudaram esse conceito. A sexta-feira é dia que só acaba após a última aula na faculdade, e aí, acaba mesmo porque as últimas forças são pra chegar a casa, tirar a roupa e tombar na cama. Mas o sábado de manhã... Hoje chovia aquela chuva idiota, mala, desanimadora ao extremo. Fazia um frio gostoso, daqueles que a gente usa como desculpa pra não sair da cama. De um lado, o noivo, do outro lado, a revista EXAME. Agora sou assinante, como futura Administradora, não posso mais ficar lendo só Agatha Christie e Raquel Pacheco (Bruna Surfistinha). Adoro ambas, mas estamos falando do meu futuro e o futuro, começa agora. Levantei da cama, aborrecida e triste, porque esse sábado não seria aquele sábado ali de cima que eu tanto gosto. Voltei pra cama, chorei, chorei depois de novo. No banho, caiu a última lagrima do dia. Eu sou uma macaca bem burra às vezes! Hoje é sábado, dia de descanso, não de tristeza. Eu trabalho muito – por dois desde janeiro -, estudo, aturo várias palhaçadas e não mereço algumas horinhas de “morri pra vc”? Claro que mereço! Cheguei a casa: telefone mudo e sem luz. Não queria, mas era o que eu precisava! rsrs Deus é mesmo meu chapa! Tirei a roupa toda e me refestelei na cama, senhora absoluta do meu espaço e do meu edredom. Nem vi mais nada, só sei que acordei com tudo escuro. Dormi o sono dos abençoados e acordei outra. Bem outra mesmo. Com apenas quatro horinhas de sono por dia, é pra emburrecer mesmo. Mas fui à forra, acomodei o fazedor de idéia no travesseiro e abri a revista de fofoca, que trazia uma moça bonita e... Parti rumo ao mundo encantado dos sonhos.

Quando acordei, pensei na Fê. Taí alguém que sabe de mim, sabe tão profundamente que seria capaz de ministrar um curso de como lidar comigo. rsrs Fernanda mora tão longe e ao mesmo tempo está há apenas alguns pensamentos de distância. E agora entrando no maravilhoso Clube das Tias! Uhul! Que venha Sofia (ou Samuel)! Aliás, além de Fê, tem outro amigo que me atura nas TPMs da vida, ouve meus lamentos e no final, arranca um sorriso do meio das lágrimas. Fora os tantos outros anjos que me cercam. Anjos de carne e osso e anjos invisíveis. E ao meu Deus, só posso agradecer ajoelhada por tê-los ao redor, que me guardam e guiam.

A luz voltou e eu tive que decidir se sairia ou lagartearia mais um pouco. Fiquei com a segunda opção, porque eu sou uma diva! rsrs Plagiando descaradamente o comercial do sabonete Lux.

Cá estou, deleitando-me com a vitória sobre o temível papel em branco!

Só não consigo o que não tento! ;-)

L.

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