sábado, 28 de abril de 2007

Caminhando e recomeçando

Deus é meu amigo. Indubitavelmente.

Manda barcos, que me resgatam do naufrágio. Manda anjos, que me protegem de todo o mal. Manda obstáculos, pra que eu não me acomode. Manda adversários, pra que eu renove a fé em mim.

Diversas vezes, é difícil enxergar o caminho certo, quando o tempo está fechado pela neblina densa. E aí, Ele me manda guias, que afastam a neblina com um assopro ou me empurram em direção ao ponto certo. De forma gentil ou truculenta, sempre chego no caminho.

Ultimamente não tenho conseguido distinguir anjos de obstáculos. O que Ele quer me dizer? Não sei.

Um anjo estressado hoje me disse “Cobre. Cobre de mim, cobre de você. Não se acomode com o que faz, não ache que está bom.” Coberta de razão, chefe. E é por isso que além de chefe, ela tem meu respeito profundo como ser humano.

Nesse momento, me sinto sufocada. Grito, choro, me debato. Aqui dentro. O mundo me vê sorrindo, ouve a sonora risada, mas ninguém pode imaginar o que se vai por dentro, o que a alma sente. A angústia permeia o dia. A dor vai e volta com a respiração pesada.

Mas quem é o responsável por todo esse sofrimento? Quem é o culpado?

Eu.

Ninguém no universo tem o direito de me fazer mal e nem o conseguirá, se eu não deixar. Eu me permito ser abatida facilmente. Eu tenho nas mãos o controle da minha vida, eu determino a mim o que fazer e o que ser. Boa canceriana que sou, projeto noutros a felicidade que é de minha responsabilidade.

O longo, cansativo e doloroso processo de um ano de mudanças internas, está sendo ignorado e destruído pela força do mal que eu me deixo causar. Foi um período frio e escuro... Chovia torrencialmente no ponto de ônibus, carros em alta velocidade me molhavam com as águas dos rios que se formavam pela rua, os pés escorregavam, os óculos estavam embaçados, o ônibus havia esquecido de passar pra me apanhar. E eu chorava...

Criança perdida, ninguém na rua, nenhum adulto. As ruas não tinham nome, a chuva castigava o corpo e o frio o endurecia. Não adiantava gritar, não tinha ninguém pra ouvir. Não podia correr, os pés descalços escorregavam nas poças. De repente uma luz se fez sensível. Havia uma forma de escapar, e assim, a luz ficava cada vez mais forte à medida que, passo a passo, com dificuldade e cuidado pra não cair, seguia em direção ao que poderia ser a salvação. Sim, lá estava o poder, o conhecimento. O silêncio daquele lugar era apavorante e ainda assim, reconfortante. Havia gente, seres superiores, evoluídos, que mostraram o caminho certo. Estava seco ali dentro, mas não podia ficar. Disseram que poderiam ensinar, se tivesse a vontade de aprender. Lá fora novamente, até a chuva tinha dado trégua. Carros passavam, luzes estavam acesas. Outra vez, a luz forte guiando até outro lugar. Finalmente o cheiro bom de segurança e aconchego. Era ali o abrigo. Não havia chuva, nem medo, nem frio. Havia amor. Havia carinho. E havia uma panela de feijão quente, e um sorriso, e uma toalha e, também, um cobertor. O sono veio e trouxe a certeza de que, aconteça o que acontecer, sempre haverá um caminho, uma saída. Quando o corpo finalmente cedeu à exaustão, ainda deu tempo de sentir que alguém subia o cobertor até o peito e apagava a luz.

...porque nunca tinha sido tão difícil ir do trabalho pra faculdade e de lá pra casa. E em casa, antes de deitar, pensei que eu tinha um trabalho, tinha minha faculdade e uma casa onde pessoas me amavam. O ônibus demorou porque o trânsito estava parado por causa da chuva de inverno. Na faculdade, meu lugar, a passagem pro mundo que eu quero conhecer, o mundo do poder. O poder do conhecimento. E depois de uma difícil noite, minha casa, meus pais, comida me esperando, meu edredom, o carinho e a preocupação dos que me amam de verdade.

Não foi uma vez só, não foi um dia só. Foi um ano inteiro revendo atitudes, escolhendo os passos, limpando pessoas da minha vida e fechando a porta do coração pra aventureiros de plantão. Ao fim de um ano, estava pronta...

A Guerreira estava pronta. A última guerra fora cruel, quase tombara de vez diante do inimigo. Não havia parte do corpo que não estivesse cortado, machucado. Um osso estava quebrado. As mãos já não suportavam empunhar a lança e o braço não segurava o peso do escudo. Os pés estavam em carne viva, não podia mais andar. E o inimigo avançava furioso, indestrutível, cada vez maior e mais forte. Talvez implorar pela sobrevivência fosse o melhor. Talvez lutar até o fim. Não foi preciso, ele se cansou, viu que a Guerreira não iria oferecer resistência por muito tempo, não teria mais graça lutar com quem estava a ponto de se entregar. Foi-se embora a deixando refestelada no chão, onde ficou ainda um tempo. Mas os urubus começaram a sobrevoar... Não era exatamente assim que ela planejava o fim, então reuniu o resto de força, levantou e partiu. Era uma Guerreira da Luz e de encontro a ela estava caminhando. Disciplinou-se, forçou-se a se concentrar nas prioridades das batalhas. Muitas vezes fraquejou, sentiu-se só, abandonada pelos deuses da guerra. Mas sabia que não poderia trair-se, ela era sua última esperança. Para o mundo, estava morta. Para si, estava renascendo. Não viu o tempo passar, não sentiu que tanto tempo se fora desde o último combate. Sabia apenas que seu corpo estava curado e sua mente preparada pra seguir a caminhada. Fechou-se em si, ergueu e escudo e empunhou a lança. Era a hora de enfrentar a realidade.

...Permiti-me ser eu novamente, jovem, saudável, bela, inteligente e feliz. Trabalho novo, período novo na faculdade. Identifiquei os pontos negativos, trabalhei os que podiam ser mudados e formulei maneiras de amenizar os inevitáveis. Sorri e fui à luta.

Novamente, as paredes parecem fechar-se contra mim. Mas agora já sei que sou mais forte, posso criar braços e empurrar todas. O problema é que ainda não sei a hora exata de fazê-lo. Ou melhor, sei que já passou da hora, mas reluto em tomar a atitude. A pior lição eu já tive, agora é só manutenção.

Deus é meu amigo e o que me deixa exultante, mesmo em meio às tempestades, é saber que haja o que houver, de uma forma ou de outra, Ele sempre me mostrará o caminho.

L.

Um comentário:

Yasmim disse...

A palavra "indubitavelmente" me lembra a Clarice Lispector. Identifiquei-me completamente com tudo o que você disse, tem hora que só a gente sabe o fardo que carrega. E sabemos que tudo o que passamos é culpa nossa. Assim como a tortura chegou, ela se vai. Também me sintom às vezes, morta para o mundo, mas para mim há uma renovação. Silenciosamente vamos aos poucos, porque as coisas mais concretas são aos poucos, tomando nosso terreno e afastando alguns vilões de nossos pensamentos. Essa é a ordem sempre, sorrir e ir à luta.

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